Ao caminhar pelas praças da sua cidade, você já percebeu quais os sentidos e valores que esses lugares públicos podem nos revelar sobre a história dos centros onde vivemos? E em que medida esses lugares apresentam essas memórias a partir de uma narrativa permeada por diversas vozes, pelo desejo do coletivo e da representatividade de todos?

Em sua participação no “Com a palavra…” de junho de 2021, o professor Liszt Vianna Neto nos apresenta várias camadas de histórias da famosa Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Propondo uma viagem no tempo, ele nos convida a caminhar pela longa trajetória da Praça da Liberdade e reforça que, ao percorrermos esse cartão postal da cidade, revisitamos também a história da construção de uma nova e promissora capital para o estado de Minas Gerais. 

Ao longo deste percurso, Liszt chama atenção aos vários usos – e desusos – da praça, desde o seu surgimento, como cenário progressista de uma cidade inaugurada “às pressas”, até a recente transformação em um complexo cultural que ainda hoje segue em transformação.
Nesta conversa, Liszt apresenta alguns vestígios da antiga região conhecida como Curral Del Rey: desde a pia batismal da Igreja Matriz, hoje sede da Igreja da Boa Viagem, até o casarão do atual Museu Abílio Barreto, ambos identificados como lugares de resistência em meio a uma paisagem historicamente obliterada para dar sede às novas construções modernistas.

Do curso modernista ao curso dos rios

No início da construção da nova capital, o projeto urbanístico do complexo da Praça da Liberdade se inspirava em linhas construtivas relacionadas a movimentos arquitetônicos e artísticos europeus. Apropriando-se, por exemplo, de traços herdados das escolas classicista e gótica, o projeto ressalta uma série de valores que as secretarias do poder executivo almejavam transparecer à sociedade. Naquele contexto, os resquícios do considerado velho e antigo deveriam dar espaço a uma visão nova, com fortes pretensões progressistas e cientificistas.

Se observamos atentamente as partes e os detalhes do complexo da Praça da Liberdade, pelas palavras do professor, conseguimos identificar na própria praça as diferentes camadas do tempo. Ali se estabelece, num mesmo espaço, uma espécie de “microcosmos” no qual podemos perceber múltiplos caminhos estéticos, sociais e políticos – e também suas vias de transformação. 

Conforme destaca o professor, a paisagem que ali se encontrava foi totalmente obliterada pela sede construtivista que ainda ecoa em nossos tempos. E hoje em dia, segundo ele, parecem tentar emergir, no mesmo espaço, uma série de narrativas que nos contam outras formas de ver os percursos desta transformação. Afinal, com o passar do tempo, o percurso desenhado pelos projetos modernistas mostrou ir contra a corrente dos caminhos naturais e sociais que aqui se instauraram.

A Praça da Liberdade como palco da cultura

Concebida em meio ao advento de uma missão modernista, a Praça da Liberdade nos conta também um pouco sobre a história do nosso país. Pelas múltiplas linguagens arquitetônicas que, no período modernista, exacerbam certas características com uma nova camada de “brasilidade”, os projetos dos arquitetos Oscar Niemeyer, Sílvio de Vasconcelos e Hardy Filho nos evidenciam que este novo movimento estético vem acompanhado de transformações históricas na sociedade. Diante disso, Liszt nos conta que refletir sobre esse espaço é dar atenção a acontecimentos que não são facilmente apagados. A partir desses prédios modernistas, é possível, por exemplo, situar a Praça da Liberdade como cenário de importantes manifestações contra a história obscura do período da Ditadura Militar. 

Desde seu surgimento, a Praça da Liberdade foi cenário de importantes transformações sociais na cidade de Belo Horizonte: funcionou como símbolo do poder republicano e da desenfreada missão política modernista, atravessou a Ditadura Militar e chega, hoje, bastante diferente, à contemporaneidade. Na visão do professor, caminhar pela praça é perceber um espaço que ainda pulsa a vontade de transformação.

Para que possamos aprender com a história e fazer parte dessas transformações, é necessário ocupar os espaços onde ela acontece e procurar, pelos cantos e detalhes, algo que nos represente e faça com que nos sintamos presentes nesse permanente ciclo de mudanças.