Você já ouviu falar sobre o Museu Banco do Brasil? Situado no Distrito Federal, ele abriga a exposição de longa duração “Acervos do Brasil, reunindo uma coleção que atravessa, cronologicamente, a história do Banco do Brasil e inclui capítulos que remontam à sua criação, em 1808. Nesse trajeto, podemos perceber como a história da instituição é atrelada a história do Brasil, contribuindo para um entendimento do público sobre a formação do país, principalmente no que diz respeito ao seu desenvolvimento econômico, político e social. 

Além disso, o Museu Banco do Brasil contém um acervo constituído por mais de 70 obras de diversos artistas importantes para o país e a cidade. Trata-se, em linhas gerais, de trabalhos que propõem diálogos sobre cultura, cidadania, colecionismo e musealização.

Percorrendo esse acervo, podemos nos perguntar: será que a forma como o Brasil desenvolveu suas estruturas políticas e sociais influenciou suas práticas artísticas? Pois bem: esta edição do “Com a palavra”, que recebe como convidada a artista, pesquisadora e curadora Yana Tamayo, nos propõe justamente uma discussão sobre acervos e colecionismo, assim como sobre os modernismos brasileiros.

A partir de reflexões sobre as obras e os artistas que compõem o acervo do museu, somos convidados a construir, pouco a pouco, uma ótica política e social sobre os múltiplos olhares que pairam sobre o país..

Processos de colecionismo

Primeiramente, a convidada compartilha algumas reflexões em torno da própria noção de acervo, trazendo ainda questionamentos sobre práticas de colecionismo e processos de aquisição. Em sua visão, os objetos expostos ali tornam-se importantes a ponto de serem guardados exatamente porque falam sobre a identidade de algo ou alguém. 

Ao longo de toda a história da humanidade, aliás, o ato de guardar coisas sempre foi uma preocupação das sociedades. A partir de certo momento, entretanto, a constituição de acervos em museus tornou-se uma referência muito importante para o ato de colecionar.

A constituição do acervo do Museu Banco do Brasil, decerto, não foi diferente: de forma contínua e intencional, a instituição foi adquirindo um amplo patrimônio artístico, tanto a fim de ambientar os espaços que pertenciam ao banco quanto para incentivar a produção de alguns artistas brasileiros. A partir de certo momento, essas peças, inicialmente dispersas pelo Brasil, começaram a ser estudadas e documentadas, para que o seu potencial educativo e cultural fosse devidamente explorado.

O Modernismo e a modernização

Em seguida, Yana nos elucida sobre como a constituição do acervo e da coleção conversam com a fundação do Brasil e a concepção do modernismo. Surgida justamente em 1808, com a chegada da família real portuguesa, a instituição se articula de modo decisivo com uma série de outras medidas tomadas por D. João, visando liberar o comércio de mercadorias brasileiras com outros países, além de Portugal.

Para a comercialização, a importação e a exportação de mercadorias, era necessário que algumas infraestruturas fossem criadas, acompanhando as crescentes demandas comerciais do país. Pouco a pouco, o Brasil começa a ganhar uma estrutura comercial mais complexa, desenvolvendo estratégias para gerar coesão em um território muito extenso e culturalmente diverso.

Yana nos lembra que o Modernismo, na Europa, tentava acompanhar uma série de modificações relacionadas à modernização das cidades e ao desenvolvimento tecnológico. Em sua visão, o Brasil começa a passar por isso a partir de um resquício vindo junto à colonização e, sobretudo, da necessidade de abrigar a família real portuguesa que havia acabado de chegar por aqui. 

A Semana de Arte Moderna

Em 1922, 100 anos após a independência do Brasil, tivemos por aqui a Semana de Arte Moderna, fruto de uma demanda de artistas que estavam articulando e pensando como renovar a representação do país frente ao mundo. De que forma o povo brasileiro e nossa cultura aparecem nas obras? Para Yana, o modernismo enfrenta o olhar ocidental e europeu até então colocado sobre o Brasil, e buscando uma representação mais próxima de suas identidades, sem se diluir em representações europeias.

A convidada cita alguns artistas que pensaram e refletiram sobre essa nova construção de pensamento e imagens, citando Di Cavalcanti como um dos precursores de pensamentos modernistas no Brasil. Ela também fala sobre Carybé, um pintor argentino que dialoga com a cidade de Salvador, destacando ao mesmo tempo as influências portuguesas em sua arquitetura e outros aspectos essencialmente brasileiros como a religiosidade, as festas e a própria vida cotidiana.

Yana também chama atenção ao fato de que, por mais que houvesse uma identificação a partir das formas de ser, estar e pertencer ao território brasileiro, muitos desses artistas ainda eram alheios ao território, uma vez que as obras resultavam de uma observação à distância do povo.

O Concretismo como utopia

A convidada cita também o Concretismo, movimento artístico que se realiza no Brasil em meados dos anos 1940, trabalhando, sobretudo, a partir de formas geométricas e abstratas. Influenciado por uma visita do artista suíço Max Bill ao território brasileiro, o Concretismo traduz, na visão de Yana, certa esperança sobre uma racionalização das formas que poderia refletir na organização dos nossos espaços sociais. 

A pesquisadora afirma o contexto histórico que testemunhou o surgimento do Modernismo como um momento de grande produção intelectual no país – e ao mesmo tempo o associa a um movimento político, destacando, a esse respeito, a ascensão do arquiteto Oscar Niemeyer, responsável pelo planejamento e a construção de Brasília. Também nesse caso, ela defende a geometria como uma espécie de solução simbólica para o país: como se a forma estética pudesse dar forma à sociedade.

Dos planos à realidade

Outro artista que aparece no acervo do museu é Athos Bulcão, nome que contribuiu com a arquitetura, os interiores e variados espaços da cidade de Brasília, aproximando-se do Concretismo pelo uso de formas geométricas e abstratas. Conforme destaca Yana Tamayo, o Concretismo e seus múltiplos desdobramentos constituem um movimento importante que impulsiona a construção de Brasília e do próprio ideal modernista.

Trazendo outros tons e formas em relação a muitos dos trabalhos apresentados até então, Djanira e Rubem Valentim são dois outros artistas cujas obras se fazem presentes no museu. Dedicando-se a pensar sobre o povo brasileiro, Djanira chama atenção por trabalhos que buscam uma descrição de trabalhadores e trabalhadoras do país, enquanto Rubem Valentim se volta a temas como o misticismo, a ancestralidade e a memória. 

Estabelecendo um diálogo profundo e reflexivo com a exposição “Acervos do Brasil”, Yana Tamayo nos convida a pensar sobre quem são os brasileiros, assim como nos desafia a vislumbrar o futuro a partir de narrativas identitárias e movimentos artísticos que de modo incontornável constituem a nossa história.