Em de abril de 2019, o CCBB Educativo DF recebeu o artista e professor Gê Orthof para uma nova edição do Laboratório de Crítica. Doutor e Mestre em Artes Visuais, Gê trabalha com instalações, intervenções, performance e desenho desde os anos 1980. Evitando falar de si mesmo, o artista preferiu apresentar aos participantes alguns vídeos que traduziam sua trajetória e seus processos de criação.

A partir desses vídeos, o convidado refletiu sobre as possibilidades de se criar entre a memória e os sonhos. “As coisas vão aparecendo para mim enquanto vou montando, elas se revelam durante o processo. Quanto mais tempo tenho de intimidade com uma obra, melhor vou entendendo, mais as ideias vão clareando”, afirmou o artista, sobre o próprio processo de criação.

“Os Himalaia: Ele que Não Subia em Árvores” foi uma das instalações comentadas por Gê Orthof durante o curso. Ao compartilhar essa referência conosco, o artista fez menção a uma série de livros que perpassam sua história, dentre os quais “Tintim no Tibete” (1959), a aventura em quadrinhos de Hergé.

Segundo ele, o primeiro contato com o livro se deu quando seus pais fugiram da Ditadura brasileira e se exilaram em Paris. Àquela altura, ele era a primeira criança sul-americana a estudar em seu colégio e conta ter aprendido francês lendo “Tintim no Tibete” com sua professora. “As ideias ficam depurando em algum lugar e estranhamente se conectando até que objetos chegam, os livros chegam, mais e mais histórias chegam, e um trabalho passa a existir”, comentou, para em seguida propôr uma atividade de construção coletiva relacionada justamente à potência de memórias contidas em certos objetos.

A construção do manual

Na atividade proposta pelo convidado, cada participante deveria trazer a roda, portanto, objetos previamente escolhidos, que estivessem ligados a suas memórias e afetos. Em seguida, cada um deveria apresentar o objeto e explicar a razão de sua escolha. Posteriormente, foi sugerido que os participantes escrevessem três palavras-chave relacionadas ao objeto.

Os objetos eram diversos, e alguns participantes foram inclusive pegos de surpresa. Chaves, chaveiros, um pequeno escaravelho e também algumas jóias, entre outros itens, ganharam, ao longo da dinâmica, novos significados e sentidos. Uma das participantes, em particular, apresentou um elástico de amarrar cabelos e contou aos demais que se tratava de uma lembrança de sua filha, que sempre estava com ela. Em sua visão, era um objeto que reduzia a distância entre as duas e reforçava a presença daquela relação.

Na segunda etapa, os participantes deveriam escolher um objeto de outro participante e escrever três novas palavras-chave que evidenciariam a relação entre o primeiro objeto apresentado e o objeto recém-selecionado. Ainda como parte da atividade, cada participante deveria escolher, dentre algumas citações trazidas pelo artista, alguma que reverberasse, por contraste, as palavras-chave associadas aos objetos.

Salve-se quem puder

Finalizando sua proposta, Gê Orthof sugeriu que cada um, durante aquela semana, criasse uma mensagem de S.O.S. para um destinatário desconhecido e pedisse a ele que o salvasse, poeticamente, de seu próprio naufrágio. Seria preciso, então, que cada participante deixasse o seu objeto, juntamente com a mensagem de S.O.S., em um café e pedisse ao destinatário que escrevesse um retorno a esta mensagem.

Nas semanas seguintes, cada um iria sentar-se novamente, no mesmo café, lembrar tudo o que esqueceu de dizer, ou talvez, de fazer com seu objeto. E uma vez que já não está mais no mesmo lugar, e este objeto não o pertence, onde ele terá ido? Com quem? E do que você mais sente falta nele?