O modo de vida moderno, tal como o conhecemos, impõe um ritmo acelerado para aqueles que estão inseridos na vida urbana, entregues aos padrões de consumo, rotinas e hábitos do dia a dia. Geralmente associadas ao ócio, as redes de dormir podem ser entendidas como uma antítese da modernidade, à medida em que nos deslocam para outra temporalidade e experiência da realidade, não mais caracterizada pelo pressa das cidades e das relações de trabalho.

Esta visão foi defendida pelo dramaturgo e crítico de artes Daniel Toledo, responsável por conduzir o público do Programa CCBB Educativo em uma visita mediada especial à exposição “Vaivém”, então em cartaz no CCBB SP, durante a edição de julho de 2019 do Com a Palavra.Na visão do pesquisador, é bastante simbólico que uma mostra que propõe investigar as relações entre as redes de dormir e a construção da identidade nacional esteja em cartaz na maior cidade do país e traga, entre as obras expostas, trabalhos de 30 artistas indígenas.

“Uma das referências para pensar o roteiro desta visita foi um artigo sobre a sabedoria Ameríndia, que fala um pouco sobre a sociedade moderna como uma sociedade do hiperconforto, em que nos habituamos a uma vida de excessos. São Paulo, por exemplo, é a típica cidade moderna marcada por excessos. Quando pensamos nas culturas ameríndias, entendemos que não é o excesso a virtude, mas a suficiência”, defende Daniel.

Outros saberes

Na condução do grupo de visitantes pelas galerias do centro cultural, ele destaca o trabalho de artistas como Arissana Pataxó, Sallisa Rosa e Denilson Baniwa. “Cada um dos povos indígenas têm relações muito intensas com a natureza do lugar onde vivem, e há, nisso, uma grande sabedoria. Existe uma oposição entre indígena e alienígena, sendo que o primeiro é o da terra, e o segundo é o que vem de fora. Desta forma, os saberes que vieram com a colonização podem ser considerados alienígenas, assim como os que vêm da Europa, hoje em dia. Os saberes indígenas, por sua vez, vêm de pessoas que sabem viver aqui nessa terra onde nós vivemos”, argumenta.

Incluída no trajeto ao longo da exposição, a ação “Trabalho”, de Paulo Nazareth, é uma dentre as obras expostas que tensionam diretamente a relação entre as redes de dormir e o mundo moderno: a partir da publicação de um anúncio para uma vaga de emprego , o artista contratou um funcionário que permaneceu deitado em uma rede instalada no CCBB durante oito horas por dia, durante todo o período da mostra. “Trata-se de um trabalho muito sintético, que parece simples, mas dá conta de um olhar muito irônico para as relações do capitalismo, da produtividade e do trabalho. Para muitos povos indígenas, dançar é trabalhar. Não existe essa separação, que é uma criação da modernidade. O trabalho mental também é trabalho. Descansar também é importante para conseguir trabalhar depois””, analisa Daniel Toledo.