Trazendo experiências ligadas também ao universo da arte contemporânea como artista e produtor, o ator e diretor teatral Cacá Toledo foi o convidado do curso Processos Compartilhados em fevereiro de 2021, conduzindo uma longa conversa sobre o teatro e suas possibilidades online.

Ao longo do encontro, o convidado nos apresenta um percurso que se mistura às transformações tecnológicas do nosso tempo. Cacá traça um caminho desde o teatro analógico e presencial ao criado para plataformas de videoconferência, que se tornaram tão familiares nesse momento pandêmico – um tempo meteórico, quando pensamos que essas plataformas não faziam parte do nosso dia a dia há um ano e meio.

O primeiro conceito apresentado pelo convidado, muito importante para o desenvolvimento da conversa, foi o de convenção teatral: um acordo estabelecido entre os integrantes do público e os atores, ativando o imaginário dos primeiros. Com essa comunicação direta, a cena pode, por exemplo, ocorrer sem cenário algum. Se, por convenção, estivéssemos todos numa praia ou aglomerados em um programa de auditório, assim seria e mentalmente criaríamos os elementos cenográficos. Dessa forma, segundo Cacá, o público se torna cocriador e participante da cena.

Cacá Toledo nos trouxe histórias, referências e também a possibilidade de conhecer sua trajetória e seu processo criativo. A narrativa se inicia nos localizando em 1995, quando ele começa a cursar Artes Cênicas na Universidade de Campinas (Unicamp). Cacá rememora o desenvolvimento do curso, as primeiras instalações em um galpão, suas adaptações, a aquisição gradativa de aparatos eletrônicos e de iluminação e também as trocas feitas entre departamentos próximos, em especial com as artes visuais e suas linguagens, perpassando os campos da performance e da arte e tecnologia.

O convidado conta que seu pensamento foi influenciado pelo conceito de Zona Autônoma Temporária (TAZ) e pelo ativismo de mídia tática, apostando na possibilidade de criar espaços de liberdade que surjam e desapareçam o tempo todo, seja no campo presencial ou virtual. Além disso, a ideia de utilizar a internet para quebrar a hegemonia de determinadas mídias sobre os discursos sociais é apontada como um terreno fértil de exploração e criação de espaços que se tornem zonas autônomas.

Teatro analógico, lo-fi e online

Há quase duas décadas, a exploração da rede tornou-se, para o artista, uma pesquisa de plataforma que tem como embrião uma experiência totalmente analógica e multimídia. Dentre os muitos trabalhos realizados desde então, o “Drink com as Estrelas” é uma criação da Companhia Aberta de Teatro, coletivo dedicado à criação colaborativa, ao humor e à interdisciplinaridade, do qual Cacá Toledo é fundador e diretor.

A estreia dessa paródia aos programas televisivos de auditório aconteceu em 2003, em Campinas, trazendo muito humor, brindes distribuídos aos convidados, placas incentivando o público a vaiar ou aplaudir. Inicialmente, a produção contava com um micro system, uma TV tubular e um vídeo cassete, e os entrevistados por Odilon Alleyona (Cacá Toledo) eram os próprios atores e, posteriormente, outros convidados.

A segunda temporada do espetáculo aconteceu em 2007, ao mesmo tempo em São Paulo e em Campinas. Naquele momento, a internet já havia ganhado espaço na vida do ator, que se interessava por blogs, fotologs e Orkut. Com essa influência, o “Drink com as Estrelas” passou a ser veiculado na internet como um canal-pirata, um híbrido analógico digital.

Sua terceira temporada foi ao ar em 2020, com o início do período pandêmico, a partir de táticas de sobrevivência ao isolamento social. As experiências em grupos de estudo via Zoom e a descoberta da potência dessa plataforma de videoconferência para a criação coletiva remota fizeram com que o “Drink com as Estrelas” voltasse totalmente recriado a partir dos recursos dessa plataforma online, constituindo-se como uma invasão crítica do mundo corporativo.

Nesse caminho, passaram a ser explorados recursos como a troca de fundo de tela, que permite que cada um escolha a imagem que vai compor o seu espaço na apresentação, e também a possibilidade de todos serem transportados para um mesmo lugar virtual com um fundo único, trazendo a ideia de convenção teatral, agora se manifestando além do imaginário.

O pertencimento possibilitado por esses recursos resulta na diluição da sensação de estarmos em casa separadas, por meio do transporte a um espaço virtual comum. Institui-se, desse modo, um fazer teatral remoto e ao vivo, que permite ao público falar sem mediações – em vez de somente ouvir. Ao manter a qualidade da situação ao vivo, com seus imprevistos, falhas humanas e riscos técnicos, Cacá nos traz uma reflexão sobre o que está sendo oferecido como experiência artística no ciberespaço.

O convidado compartilha experiências que perpassam, ao mesmo tempo, o fazer e o refletir, destacando a transição de um pensamento contínuo para uma forma de pensar em frames. Se o teatro é uma arte que acontece com público, atores, lugares, ideias e textos, podemos considerar o ciberespaço como um lugar de encenação? Na obra de Cacá Toledo, o teatro online surge como resultado da resistência de uma forma antiga de pertencer e provocar coletividades, constituindo-se, ao final, como uma possibilidade de re-existir.