A atividade Processos Compartilhados de dezembro de 2019, no CCBB DF, teve como convidados os músicos Phil Jones e Biophillick. Nascido na Inglaterra, Phil, além de músico, também é programador e artista digital. Biophillick, por sua vez, é o nome artístico de Jhavier Loeza, mexicano, também arquiteto e artista multimídia. Ambos estão atualmente produzindo no Brasil, e em Brasília realizam pesquisas em diversos projetos. A parceria que eles fazem foi o elemento central da atividade: trata-se de um aplicativo para celulares Android, chamado Microzewpbio, iniciado pelos dois artistas e que, no curso, foi analisado e continuado pelos participantes. Para isso, utilizaram o Processing, um software livre, e uma música composta por Biophillick, chamada Voice Of Butterflies.

Juntos, os músicos trouxeram para o curso a oportunidade de pensarmos e experimentarmos a linguagem de programação como possibilidade artística, assim como a aproximação entre arte e tecnologia, a abrangência poética dessa aproximação e a fertilidade existente na parceria entre artistas. No esteio da exposição “Björk Digital”, em cartaz no CCBB DF entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020, os convidados se mostraram em consonância temática, tanto nas linguagens e ferramentas artísticas (a programação, a música, a arte digital) quanto na poética (experimentação, xamanismo).

Phil e Biophillick falam português. Com seus respectivos sotaques, demonstraram estar confortáveis e abertos a interpelações quando os participantes não compreendessem, eventualmente, suas falas. Afinal, para eles, durante o curso, as linguagens principais seriam mesmo a  programação e as artes. Partindo dessa abertura e com entusiasmo, eles trouxeram ao público algumas de suas experiências e possibilitaram aos presentes, em sua maioria jovens e com alguma experiência em programação, uma tarde de intensa produção. Inicialmente, Phil apresentou aos participantes o programa que seria utilizado durante a atividade, chamado Processing. Trata-se, em linhas gerais, de um software livre que possibilita criar imagens a partir de códigos de programação, de maneira simplificada e acessível.

De acordo com o convidado, um software livre é muito mais do que um programa gratuito. Em sua visão, ao disponibilizarem os códigos-fonte (o “DNA” do programa de computador) para os usuários, tais softwares possibilitam uma construção coletiva que culmina em melhoramentos a cada uso, caso haja, por parte dos usuários, um mínimo de domínio da linguagem de programação. A disseminação de softwares livres, para Phil, constitui um movimento social.

Dos códigos às imagens

Após apresentar o Processing e alguns de seus principais comandos, o convidado propôs que os participantes, coletivamente, desenvolvessem o aplicativo Microzewpbio, utilizando a ferramenta para criar comandos de movimento e som. A partir dos comandos compartilhados pelo convidado, todos ali puderam experimentar a transformação de códigos em formas, sombras e movimentos. O resultado do trabalho pôde ser visualizado nos próprios telefones celulares dos participantes, utilizando-se o aplicativo Processing iCompiler, também gratuito.

A partir dessa proposta, Phil proporcionou uma experiência concreta de encontro entre arte e tecnologia, aproximando dois campos não comumente associados.Se, inicialmente, tais campos costumam ser compreendidos num pensamento de oposição entre as ciências exatas e as humanas, a intuição e a lógica, os sentimentos e a matemática, o que se confirmou durante o encontro foi uma perspectiva bastante diferente. Ficou muito marcado, no decorrer da atividade, que essa combinação é muito potente, e pode constituir múltiplas práticas e linguagens artísticas.

Inspirados pela “Biophilia”

Em seguida, Biophillick assumiu a palavra e ofereceu aos participantes um breve panorama de sua produção artística, fortemente marcada por linguagens digitais, música e visualidade. O artista traz como referências elementos de ancestralidade e tecnologia, de natureza e espiritualidade, caminhando em direção a um transbordamento de emoções ao mesmo tempo íntimo e questionador.

Seu nome artístico deriva justamente de uma experiência estética transformadora a partir do álbum “Biophilia”, da artista islandesa Björk. O convidado nos apresentou alguns trabalhos multimídia relatados em seu site, em que se pode identificar uma percepção afetiva e consciente da própria ancestralidade, ali considerada em suas múltiplas relações com o espaço urbano, a natureza, os seres vivos e os sentimentos.

Por fim, o curso também colocou em evidência o valor da parceria entre artistas, ressaltando a potência educativa do exercício coletivo das linguagens da arte. Além disso, a quebra de distâncias inicialmente estabelecidas entre ciência, sonhos, tecnologia, arte, espiritualidade, técnica e ancestralidade pôde estimular, entre os participantes, uma percepção mais abrangente da vida enquanto fenômeno e potência criadora.