Em 2002, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) deixou de ser considerada uma linguagem e foi reconhecida como a segunda língua oficial do Brasil através da sanção da Lei nº 10.436, a partir da qual suas estruturas e regras foram regulamentadas. Treze anos mais tarde, em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão – ou Estatuto da Pessoa com Deficiência – fez da acessibilidade um pré-requisito das áreas de educação, saúde, lazer e cultura.

Tendo isso em mente, como é possível enfrentar os desafios educacionais e sociais que os mais de 9,7 milhões de deficientes auditivos enfrentam diariamente no Brasil? A educadora Ana Carla Cassia de Oliveira propôs esta reflexão durante sua participação no curso Transversalidades, ao longo do qual foram discutidos aspectos básicos da cultura surda e estratégias de ensino para alunos que possuem deficiência auditiva. “O trabalho com adultos, por exemplo, se dá de uma maneira diferente do que com adolescentes e crianças. O adulto já tem a consciência de que é necessário haver uma troca entre os interlocutores. Na hora de ensinar Libras para crianças e adolescentes, as coisas mudam porque, para além de ensinar as regras da própria gramática da língua, eles precisam aprender que é imprescindível se expressar”, conta.

Nascida ouvinte, Ana Carla conta que começou a perder a audição aos três anos de idade e, mais tarde, ao fazer um tratamento de oralização com uma fonoaudióloga, foi diagnosticada como surda. Apesar disso, seu primeiro contato com a Libras aconteceu somente aos 16 anos, por meio de uma colega de escola portadora da deficiência auditiva.

Ao longo do processo de aprendizagem, ela compreendeu que não só os gestos, mas também outras expressões corporais são fundamentais para a comunicação em Libras. Da mesma maneira que os ouvintes, os surdos que utilizam a língua de sinais enfatizam a performance corporal, acrescentando expressões para que haja maior compreensão do interlocutor.

O corpo fala

A visualidade se torna, portanto, fundamental para a compreensão do discurso em Libras, e o desafio é fazer com que os alunos iniciantes apreendam essa necessidade. Ana Carla destaca que, em geral, os homens têm maior dificuldade de entender a lógica por trás disso e adquirir a fluência, na medida em que têm medo de serem ridicularizados pela expressividade. Para ela, nestes casos, a função do educador em Libras é acolher o aluno e promover dinâmicas para que o corpo não se transforme em mais uma barreira para a comunicação dos surdos.

Desmistificar o uso da Libras também é uma das funções dos agentes que se propõem a ensinar a língua, tanto em nível escolar quanto social. Pensando nisso, a educadora promoveu, junto aos participantes do curso, uma dinâmica que consistia em tentar comunicar, por meio de gestos corporais, determinadas palavras previamente escolhidas. Muitos deles tentaram fazer movimentos com as mãos, mas, ao não obterem sucesso, utilizaram técnicas de mímica.

Apesar de ser bastante comum entre os não praticantes de Libras, Ana Carla refere-se à mímica a partir de uma diferença essencial em relação à língua de sinais. No primeiro caso, trata-se de algo natural, como as línguas orais que surgiram espontaneamente da interação entre pessoas e, devido a sua estrutura, permitem a expressão de qualquer conceito – seja descritivo, emotivo, racional, literal, metafórico, concreto, abstrato. Já a mímica é a expressão do pensamento por gestos, movimentos fisionômicos, imitando o que se quer fazer compreender.

“A mímica impede uma comunicação efetiva e inteligível. Quando tentamos dizer algo por meio de gestos aleatórios, estamos aquém de uma estrutura compreensível e, por conta disso, a compreensão fica comprometida. A língua de sinais, por sua vez, codifica uma série de gestos e expressões e os torna claros para aqueles que sabem Libras”, pontua.