Seja em livros impressos ou digitais, ou ainda em jornais ou revistas, ler é uma maneira de se manter informado e exercitar o cérebro. Apesar dos benefícios do hábito de leitura, promovê-la ainda é um dos grandes desafios enfrentados pela educação brasileira, mesmo que o ensino de obras literárias seja uma das exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil. Pensar a leitura nesse contexto, em geral, nos remete aos clássicos canônicos que fundaram a ideia de literatura nacional. Subverter a este pensamento e transportá-lo para os livros infantis, entretanto, requer um olhar pedagógico para o aparentemente simples ato de folhear as páginas do objeto sem dar tanta atenção, necessariamente, à história que ali está exposta.

Para a pesquisadora Nazareth Salutto, refletir sobre a formação de novos leitores deveria antes ser um movimento de olhar, principal e cuidadosamente, para bebês e crianças pequenas. “Em geral, nas escolas, quando estamos trabalhando determinada obra, as professoras fazem aquela roda clássica, com o adulto na frente, segurando o livro, e as crianças como a sua plateia. Com os bebês, isso não acontece. Tenho trabalhado muito com a subversão desse modelo, operando com uma nova lógica que coloca os sujeitos – nesse caso, os bebês – como condutores do processo de aprendizado”, conta, em sua participação no curso Transversalidades do Programa CCBB Educativo – Arte & Educação.

Ancorado na área de educação e formação inicial e continuada de professores, seu trabalho como pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), toma como base o tripé educação, psicanálise e antropologia. A observação do comportamento nos primeiros meses e anos da vida de uma criança a levou a constatar uma série de hipóteses a respeito das etapas do aprendizado, questionando a maneira como os bebês têm sido tratados pela educação formal.

“O que temos oferecido do mundo aos bebês? Quando vemos os catálogos que se dedicam a eles, por exemplo, sempre há uma linha ascendente para as suas vidas. E isto, se observarmos, está impregnado em nossas práticas cotidianas que insistem em tomá-los como seres vazios que estão à espera do fornecimento de algo”, aponta. “Eles são expostos a um volume de consumo exorbitante em nome do que se diz bom para o desenvolvimento e, portanto, estimulados a todo momento, pois são considerados inaptos para encarar qualquer coisa sem, antes, uma mediação.”

Em contraponto à quantidade de estímulos oferecidos aos pequenos, a solução encontrada pela pesquisadora é deixar que os próprios bebês sejam os atores de seus momentos de leitura, permitindo que entrem em contato direto com os livros, manuseando-os e criando distintas relações com o objeto. “É óbvio que ele vai babar ou eventualmente rasgar as páginas. Os bebês agem com tenacidade. Mas não adianta ter uma biblioteca incrível, com os melhores livros recomendados pela pedagogia mundial, se esses livros não são usados pelos leitores”, comenta.

A atitude relacional

Considerando bebês com até três anos de idade, Nazareth Salutto destaca a importância de torná-los participantes do processo de aprendizagem, ou seja, de incluí-los nas atividades de forma que eles também tomem partido das decisões. “Muitas vezes, nossa atitude diante dos bebês é de interdição, com o objetivo de educá-los. Um movimento contrário a isso exige que professores e educadores tenham um conhecimento profundo sobre o que é o bebê, quais são as suas necessidades, seu comportamento, gostos etc. – o que nos revela muitas categorias”, defende.

Segundo a pesquisadora, eles precisam de espaço para se tornarem cidadãos plenamente inseridos na sociedade e dotados de autonomia cultural. Em sua visão, interromper esse processo de conquista da independência pode atrapalhar a compreensão do mundo, na maior parte dos casos associada a uma mediação anterior. Dar liberdade de escolha às crianças pequenas seria, portanto, também um ato pedagógico de aprendizado.

“Defendo essa faixa etária [de até três anos de idade] justamente para que seja dado o devido espaço para as experiências subjetivas dos bebês. Além disso, eles devem ser entendidos enquanto pessoas que também estão comprometidas com as suas presenças no mundo. É muito importante ler para o bebê, por exemplo, para ativar os neurônios. Mas também é essencial que ele estabeleça relação com os objetos de aprendizagem, tanto para o desenvolvimento cognitivo quanto motor”, explica.

O mundo e a criança

Nazareth Salutto também defende que o mundo da criança é também o mundo do adulto, portanto, não há porque tentar separá-lo ou compreendê-lo a distância. Para ela, este “mundo real” deve ser apresentado aos pequenos de forma sutil, já que as próprias ações dos bebês correspondem a “gigantescas” sutilezas.

“É nosso compromisso oferecer acesso ao mundo e se esforçar para não invadir – ou censurar – o universo imaginativo que as crianças têm. Os livros, desse modo, devem ser apresentados segundo essa premissa e atuando no tempo-espaço de ser bebê. Ler também é brincadeira, e um dos segredos para uma formação bem sucedida do leitor é torná-la lúdica. Caso contrário, ela não se institui”, pontua.