Em 2010, durante a mostra retrospectiva de sua carreira no MoMA, em Nova York, a artista sérvia Marina Abramovic sacudiu o mundo da arte contemporânea ao realizar a performance “The artist is present” – ou “A artista está presente”. Entre 14 de março e 31 de abril daquele ano, com frequência de seis dias por semana, num total de 716 horas, ela permanecia sentada na mesma postura para receber os visitantes, um a um, que se sentavam na cadeira vaga à sua frente para vivenciar uma troca de olhares sem palavras. A obra ganhou ampla projeção e levantou discussões em torno do ímpeto ou da necessidade de alguns artistas se apresentarem como imagem ou presença em seus trabalhos.

Apesar da arte performática ter se consolidado como gênero artístico somente a partir dos anos 1960, há quem defenda sua presença em momentos anteriores da história, levando em conta as inúmeras maneiras como os corpos aparecem nas obras. O artista Marco Paulo Rolla advoga por esta causa e, durante o curso Transversalidades do Programa CCBB Educativo – Arte & Educação, apresentou um panorama histórico de obras e artistas visuais que experimentam, de diferentes maneiras, a potência da presença na própria produção.

Segundo o artista, a vontade de se fazer presente na própria obra partiu de uma inquietação por experimentar conceitos abordados em sua produção e localizá-los num espaço-tempo definido. Pintor, escultor, desenhista e performer, Marco Paulo tem utilizado seu próprio corpo como ferramenta artística e instrumento de trabalho em múltiplas criações, como “Objetos de desejo” (1999), “Banquete” (2003) e “Volumetrias” (2013-2015).

Desde a pré-história

Marco Paulo ressalta que o paradigma da presença já aparecia em produções que datam da pré-história, em especial naquelas em que os indivíduos utilizam partes do corpo como formas de representação. Em uma das imagens apresentadas pelo artista, a parede de uma caverna na Patagônia aparece pintada com uma série de mãos sobrepostas. “A impressão é que eles utilizaram as mãos como um estêncil para reproduzir essas imagens. É interessante o quanto elas se assemelham aos grafites e pichações que encontramos nas ruas hoje em dia. Além da contemporaneidade que isso traz, está bastante clara a intenção de mostrar-se presente”, aponta.

A partir de um recorte amplo, Marco Paulo Rolla costura sua argumentação com base em trabalhos de artistas relacionados a diferentes períodos e movimentos artísticos. Uma técnica que acompanha os artistas apresentados é a do autorretrato, cujo foco sobre o rosto em primeiro plano pode ser compreendido como performance, na medida em que obedece à maneira como o artista quer se apresentar diante do público.

“Nesses casos, como nos trabalhos de Rembrandt (1606-1669), Gustave Courbet (1819-1877) e Frida Kahlo (1907-1954), os artistas tiveram o ímpeto não só de se colocarem nas obras, mas também de encarar o público. Isso gera, ao mesmo tempo, uma equalização de valores do que é a arte e do que é o ser humano. Esses artistas criam a arte dentro de si por meio de metáforas”, afirma, em referência a criadores que abrangem três séculos de história.

Contexto contemporâneo

No Brasil, Marco Paulo Rolla localiza a presença do artista em numerosas obras ao longo do século XX. Conhecido por trabalhos em que atravessa ruas e avenidas dos anos 1930 usando inesperados trajes futuristas, o multiartista Flávio de Carvalho (1899-1973) é citado por Marco Paulo como um dos precursores da performance brasileira. “Ao apresentar sua ‘Experiência nº 2’, ele desmistifica as diferentes formas de presença do artista”, analisa, acrescentando ainda Luz Del Fuego (1917-1967) como uma das principais representantes femininas da primeira geração de arte performática no país.

Em relação a artistas estrangeiros, Marco Paulo destaca nomes como Valie Export, Ulay e a própria Marina Abramovic, cuja histórica performance “Rhythm 0” (1974) – ou “Ritmo 0” – consistiu na disposição de 72 objetos para que o público fizesse o que quisesse com o corpo da artista, disponibilizado aos visitantes durante seis horas. No início, o público reagiu com precaução e pudor, mas aos poucos os espectadores começaram a atuar com violência e agressividade, deixando a artista com as roupas rasgadas e uma arma carregada apontada para o próprio peito.

“Neste trabalho, ela colocou em questão a maneira como alguns artistas de Belas Artes pensavam a arte performática. Para muitos, os performers não estavam fazendo nada, e nesta performance ela quis se colocar, de fato, não fazendo nada, deixando que o público entrasse em uma espécie de catarse humana da crueldade. Ela aguentou até o fim”, pontua Marco Paulo, ressaltando que, após encerrada aquela performance, o público presente já não conseguia encarar a artista.