Logo no início de sua explanação durante o encontro Transversalidades de junho de 2021, o convidado Alan Alves-Brito nos diz: “O céu é o meu lugar… Pelo céu, me conecto com o outro”. Essa fala poética é a forma não cartesiana como Alan nos mostra sua interação com um tema científico e acadêmico: a astrofísica.

Astronomia nas culturas, Arqueoastronomia, Etnoastronomia e História da Astronomia, afinal, são algumas das áreas do conhecimento que Alan percorre em sua pesquisa como astrofísico. Sua apresentação tem como título “A Resiliência Das Estrelas: O Céu Como Patrimônio Histórico, Cultural E Natural Da Humanidade”, e ao longo do encontro ele compartilha o que entende como um diálogo entre diferentes áreas do conhecimento.

Dividida em três tópicos, intitulados “O céu – História”, “A terra – Culturas” e “O dia a dia – Humanidades”, sua apresentação toma a perspectiva de uma educação pautada nas relações etnico-raciais. Essa abordagem dá origem à narrativa de um céu decolonial, fundamentando-se na Lei 10.3639, que prevê o ensino das histórias e culturas africanas e afro-brasileiras, e também na Lei 11.645, que prevê o estudo das epistemologias dos povos originários.

A pesquisa compartilhada por Alan Alves-Brito é essencialmente interdisciplinar e traz como campos de investigação elementos relacionados a matrizes culturais de diferentes povos, ampliando as discussões acerca da astrofísica para além de fontes eurocêntricas.

Como diferentes povos se relacionaram e se relacionam com o céu?

A partir dessa e de outras questões, Alan Alves-Brito nos leva a refletir sobre diversas cosmopercepções, representações simbólicas, calendários, cultos e mitos surgidos a partir dos nossos diferentes modos de conexão com o céu. Por meio desse amplo apanhado, temos contato, em sua visão, com “narrativas que foram por muito tempo silenciadas pelo racismo epistêmico”.

Fazendo referência à sua atuação como pesquisador, professor e diretor do Observatório Astronômico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Alan destaca a importância de que essas narrativas cheguem nas escolas, nos museus de ciência e em outros espaços de ensino e divulgação de conteúdos científicos.

Como um exemplo dessas narrativas silenciadas, o pesquisador nos apresenta alguns conteúdos relacionados ao Calendário de Nabla Playa, encontrado no sul do Egito, em um sítio que data de 7000 anos atrás. Segundo o convidado, esse é um dos primeiros calendários do mundo e antecede em– quase dois milênios antes o marco histórico de Stonehenge, na Inglaterra, frequentemente apontado como um dos calendários mais antigos conforme a tradição ocidental.

Alan Alves-Brito destaca também que dimensão patrimonial do céu é mais um caminho possível para pensarmos e nos conectarmos com ele. Quando entendemos o céu como patrimônio histórico e cultural da humanidade, fica ainda mais evidente a necessidade ampliarmos a divulgação de diferentes estudos e concepções relacionadas a este bem cultural, assim como a importância de cuidarmos dele.

O céu precisa ser cuidado?

Mais adiante, Alan Alves-Brito destaca que, com o tempo, estamos perdendo pedaços de céu, sobretudo pelo crescimento das cidades e pela construção de prédios cada vez mais altos que nos roubam a vista para essa importante paisagem universal. Além disso, o pesquisador fala sobre outro fator que demonstra nossa falta de cuidado com o céu, também consequência de um crescimento urbano desordenado: trata-se do que ele chama de poluição luminosa, provocada pelo excesso de iluminação que termina por apagar o céu.

Segundo o convidado, a criação de políticas públicas que possam garantir uma educação ampla e plural sobre a importância da preservação do céu é um dos caminhos que podemos percorrer rumo a novas práticas de cuidado celeste, para que possamos continuar conectados a um bem natural e cultural compartilhado por toda a humanidade.

Ao final do encontro, saímos todas e todos querendo engrandecer – ou “agrandar” – nossos olhos e olhares, para que neles caiba o céu que Alan Alves-Brito nos apresentou.