Existem, decerto, muitos modos de se conhecer um museu. E também a possibilidade de passar uma vida inteira sem conhecê-los. Criado em 1818, antes mesmo da proclamação da república no Brasil, o Museu Nacional, situado no Rio de Janeiro, guarda incontáveis objetos e histórias que muito revelam sobre a natureza e as culturas do país – e do planeta – em que vivemos.

Entre essas histórias, no entanto, uma das mais disseminadas se refere ao grande incêndio acontecido em setembro de 2018, justamente quando a instituição celebrava dois séculos de uma existência vinculada ao desenvolvimento das ciências naturais e antropológicas em nosso território. Antes do incêndio que destruiu parte considerável de seu acervo científico, bibliográfico e documental, a instituição contava com mais 15 milhões de itens, dentre os quais muitos ainda conseguiram se salvar. 

Realizada no CCBB-RJ entre fevereiro e abril de 2019, a exposição Arqueologia do Resgate: Museu Nacional Vive reuniu e apresentou ao público alguns desses itens, ressaltando à cidade e à sociedade brasileira a importância de sua preservação. Foi com a intenção de recuperar também histórias e experiências relacionadas ao dia-a-dia do Museu Nacional que o Programa CCBB Educativo – Arte & Educação recebeu Marcelo Alves Vidal. Prestador de serviço da instituição durante os últimos quatro anos, Marcelo compartilhou com os visitantes da exposição algumas de suas vivências sob as dependências do edifício que, desde o incêndio, atravessa um longo processo de reconstrução. 

“Antes de trabalhar lá, eu não ia em museu. Depois que passei a trabalhar no Museu Nacional, passei a viver aquilo ali e querer saber mais sobre outras culturas e outras histórias. Muita gente quer fazer uma visita de dez minutos, sem parar para ler e entender. Com o tempo entendi que visitar um museu não é só entrar e olhar: é importante ler as histórias, perguntar aos educadores, entender que o museu não é um parque, mas um lugar de aprendizado”, relatou o profissional, em meio a uma conversa descontraída com alguns visitantes da exposição.

Conhecimentos compartilhados

Com um acervo de mais de 20 milhões de itens ligados a campos tão distintos como antropologia biológica, arqueologia, etnologia, geologia, paleontologia e zoologia, o Museu Nacional manteve, ao longo das últimas décadas, um amplo programa educativo voltado a crianças e adultos, a partir de visitas programadas e espontâneas. Em atividade desde 1927, o setor educativo da instituição, conhecido como Serviço de Atendimento ao Ensino (SAE), é considerado como o mais antigo do país e, conforme relata Marcelo, garantia ao edifício uma alta frequência de visitas, por vezes de pessoas que pela primeira vez acessavam um espaço museológico.

“Vi muitas crianças felizes de entrar no museu, e adultos também. E muita gente não sabia o que iria encontrar ali. Minha função era só olhar, mas sempre que eu podia, eu passava adiante o pouco que sabia sobre as peças, até porque com o tempo eu mesmo comecei a perguntar muito”, conta, para em seguida explicar que as obras de restauração do edifício incendiado devem seguir até 2022, quando está prevista a reabertura para o público.

Fazendo referência à marcante visitação de crianças, seja em excursões escolares ou acompanhadas por familiares, Marcelo compartilhou com o público alguns episódios curiosos testemunhados em sua rotina de trabalho, quando não raro precisava orientar alguns visitantes de primeira viagem em relação ao cuidado com o acervo. Em outros casos, no entanto, ele conta ter precisado intervir a favor dos pequenos e pequenas. “Apareciam também algumas crianças que queriam ler tudo, ficar mais tempo no museu, mas às vezes os próprios pais apressavam as crianças, não incentivavam que elas passassem mais tempo ali”.

Ecologia de saberes

Segundo ele, ainda que alguns visitantes dessem certo trabalho à equipe do museu, outros surpreendiam pelo conhecimento que tinham a respeito de determinadas seções do amplo acervo em exposição: em certa ocasião, ao abordar uma criança que observava um meteorito, foi explicar alguma coisa e acabou recebendo uma “aula” sobre o tema. Não por acaso, aliás, entre as atividades oferecidas pelo programa educativo da instituição figuravam convites para que os visitantes integrassem suas pesquisas.

Mais acostumado, por fim, a contínuas trocas de saberes, ele lembrou ainda da pedagoga Sheila Nicolas Villas Boas, funcionária de carreira da instituição, que já há alguns anos chefiava o educativo. “Muitas crianças, quando iam lá pela segunda ou terceira vez, já chegavam perguntando ‘Tia Sheila está aí?’. Eu mesmo, logo que comecei no museu, sempre via ela de um lado para o outro, muito brincalhona e extrovertida. Até que um dia parei para conversar com ela durante 10 minutos, e aquilo virou uma eternidade”, conta Marcelo, sem esconder certa ansiedade para rever o Museu Nacional em plena atividade.