Nesta edição do Transversalidades, que ocorreu de maneira virtual em uma tarde de outubro de 2021, a pesquisadora Gleyce Kelly Heitor trouxe à conversa uma série de reflexões sobre as relações estabelecidas com instituições culturais ao longo de sua trajetória profissional.

No primeiro momento da conversa, pensamos sobre as ideias de mediação e educação – e também sobre os contextos onde geralmente ocorrem essas práticas. Em seguida, Gleyce apresentou alguns dos principais projetos e instituições dentre os quais participou, nos fazendo pensar sobre as relações que estabelecemos com equipamentos museais e ainda sobre a concepção de projetos para instituições culturais.

Quais são os públicos desses espaços, e em que momentos eles existem? Que potências pode ter um projeto educativo, ao trazer novas possibilidades, incluir vozes até então silenciadas e reinventar, de múltiplas formas, os usos dos espaços culturais?

De que mediação estamos falando?

É impossível aplicarmos uma regra ou “fórmula do sucesso” para dizer como devem funcionar as atividades de mediação em instituições culturais. Afinal, essas instituições são múltiplas, e cada espaço tem suas demandas e particularidades. Para discutir os múltiplos significados da mediação cultural, Gleyce nos trouxe um breve histórico sobre a atividade, indicando como ela “anda junto” com a educação.

A convidada associa a origem da ideia de mediação cultural ao processo de democratização da cultura ocorrido na França dos anos 1970. Ela traz como referência a obra “O Museu Imaginário”, lançada ainda em 1947 pelo escritor e político André Malraux. Naquele contexto, graças à popularização da fotografia, as pessoas começavam a ter seus museus particulares, criados a partir da reprodução de trabalhos artísticos.

Em sequência, a convidada se refere à década de 1980, quando são criados postos de trabalho dedicados à mediação em museus e outras instituições culturais. Nesse contexto, mediadoras e mediadores passam a ser também conciliadores de diálogos e diferenças culturais.

O caso brasileiro

Outro aspecto interessante se refere mais especificamente ao debate sobre a mediação cultural no Brasil, tendo em vista um longo processo em que os museus deixam de ser espaços principalmente privados para se tornarem espaços públicos.

Gleyce, entretanto, questiona como foi feita essa transição: “Quem poderia ter acesso a estes espaços?”. Nesse ponto da conversa, trouxe como importante referência a obra “Bárbaros, escravos e civilizados: o público dos museus no Brasil”, publicada em 2005 pela museóloga Luciana Sepúlveda Köptcke.

Tomando o mesmo livro como ponto de partida, Gleyce refletiu sobre a utilização da mediação nesse processo, muitas vezes a partir da necessidade de gerar público. Também predomina, até certo ponto da história, uma visão baseada na ideia de domar e civilizar esse novo público, assim como no pressuposto de que somente as instituições culturais são as detentoras do conhecimento, atuando a serviço de um projeto de civilização.

Noções de mediação

“Mas de que públicos estamos falando?”. Antes mesmo de entrarmos em uma galeria de arte ou ainda de imaginarmos uma proposta de programa educativo para uma instituição cultural, é muito importante que nos façamos essa pergunta. Quando pensamos sobre de que público estamos falando, podemos colocar na roda as nossas próprias ideias de público.

Muitas vezes, uma instituição cultural já tem seu público potencial pré-definido, assim como as possibilidades de usos dos prédios, entre outros aspectos de seu funcionamento. A esse respeito, Gleyce destaca que conflitos de interesse costumam ser constantes quando tentamos mediar as variadas demandas, expectativas e necessidades que orbitam em torno de espaços culturais.

Em seguida, a convidada aborda algumas questões relacionadas à concepção de um projeto de programa educativo para uma instituição cultural. Ao mesmo tempo em que cada instituição já tem demandas e perfis de público pré-definidos, pode caber ao programa educativo buscar uma maior diversificação entre os frequentadores e frequentadoras do espaço e também entre os propositores e propositoras de atividades educativas.

Além de descobrir novos públicos a serem atendidos, muitos programas educativos precisam lidar com possibilidades alternativas de ocupação dos espaços que integram museus e centros culturais, empreendendo investigações contínuas sobre em quais espaços – dentro ou fora – dos prédios cada nova proposta pode acontecer.

Polifônicos e desconcentrados

Ao longo da conversa, Gleyce problematiza a própria noção de cultura, destacando um nítido desequilíbrio na distribuição dos recursos voltados ao campo e também na percepção do senso comum sobre quem tem e quem não tem cultura, pois como afirma a convidada: “o que significa né, que esses grupos que não estão indo aos museus, que eles não desenvolvam suas práticas que não tenham suas práticas culturais para compartilhar.”.

Desdobrando esse debate, Gleyce propõe uma nova aproximação entre a função da mediação cultural e o lugar da educação: para ela, tanto educadores e educadoras quanto mediadores e mediadoras devem atuar como articuladores de um processo de desconcentração. Se muitas instituições costumam trabalhar, em suas programações, com nomes já legitimados e reconhecidos no campo da cultura e especificamente da arte, pode caber aos programas educativos a missão de trazer novos atores para esses espaços consolidados,

Como exemplos dessa atitude, Gleyce cita algumas atividades recorrentes dentro do Programa CCBB Educativo – Arte & Educação, tais quais o Múltiplo Ancestral, em que mestres e mestras da cultura popular brasileira compartilham seus saberes, e o Com a Palavra, em que profissionais com diferentes formações são convidados a dialogar com os acervos expostos nas mostra temporárias exibidas pelo Centro Cultural Banco do Brasil.

Segundo a convidada, é a partir de projetos educativos que podemos tornar esses espaços cada vez mais polifônicos e “desconcentrados”. E para além de oferecer diversos tipos de formação ao público, tais programas também são oportunidades para que as instituições possam sempre se reeducar.