Quatro integrantes da equipe do Programa Educativo do Museu Nacional da República – chamado Educativa – foram convidados para conduzir um encontro do curso Transversalidades realizado no dia 15 de setembro de 2021. Situado no complexo cultural da República, o museu foi inaugurado em 2006, junto a Biblioteca Nacional de Brasília. Neste encontro com Cayo Honorato, Geovana Freitas, Lua Cavalcante e Viviane Pinto, tivemos a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o programa educativo da instituição, acessando algumas pesquisas e assuntos que permeiam os seus fazeres artísticos e de mediação cultural. 

Antes de qualquer coisa, é importante ressaltar que o contexto de pandemia da Covid-19 levou a uma alteração nas relações entre o público e as instituições que pensam em arte, patrimônio e mediação cultural. Superando o contexto pré-pandemia, quando boa parte dos espaços culturais interagiam com o público exclusivamente de forma presencial, entraram em cena novas formas de relacionamento com o mundo da cultura, que agora acontece também de maneira virtual. É nesse novo contexto que surge uma das perguntas centrais do encontro, proposta pela coordenadora pedagógica do Educativa, Viviane Pinto: “Qual seria o papel da arte e dos museus nesse momento?”. 

Tendo em vista a necessidade de reformulação do programa, a equipe do Educativa optou por adicionar alguns eixos de mediação, tocando nos campos ambiental, digital e de saúde. Em sua apresentação, Viviane Pinto defende a natureza como um possível ponto de encontro entre os eixos de discussão e as práticas educativas do programa – e traça, como objetivo comum às atividades realizadas desde então, a ideia de reduzir o distanciamento entre os humanos e os demais elementos da natureza, contribuindo para que haja mais respeito às diversas formas de vida. Pensando nisso, a equipe faz o uso de epistemologias e cosmovisões de povos originários, frequentemente rompendo hierarquias entre práticas e saberes.

Mediação em rede

Com a proposta de práticas horizontais, a equipe se baseou em um diagrama tipológico de rede desenvolvido pelo economista bielorrusso Paul Baran para explicar a sua pesquisa. Nesse modelo, a mediação cultural teria três eixos: pesquisa, prática documentária e produção compartilhada de conhecimento. Os museus, por sua vez, são considerados agentes sociais, enquanto os públicos seriam sujeitos praticantes de cultura. 

Na primeira imagem do diagrama, eles apresentam a mediação como um polo irradiador de conteúdo, de modo que os conhecimentos, frutos de pesquisa, seriam passados de poucos locais, artistas e museus para muitos públicos. Na segunda imagem, o que se vê é uma proposta mais descentralizada, a partir de uma prática documentária que permite a articulação entre muitos museus, instituições culturais e públicos, estabelecendo diálogos mais horizontais.

No processo de delimitar as ações do programa, os integrantes da equipe da Educativa construíram um fluxo de trabalho e pesquisa no qual os encontros formativos, as plantas do acervo, os materiais educativos e a própria autoria da pesquisa são resultados de uma interlocução entre público, escola, palestrantes convidados, professores, estudantes e profissionais da Escola Parque da Natureza – instituição local que se tornou parceira do programa. 

Escola Parque da Natureza e a mediação conjunta

A Escola Parque da Natureza foi criada em 2015, e faz parte do ensino público do Distrito Federal. Situada em Brasilândia, a escola atende crianças matriculadas nos primeiros anos do Ensino Fundamental, oferecendo aulas de Artes, Educação Física, Educação Ambiental e Patrimonial. 

As conversas – virtuais – entre a Escola da Natureza e a Educativa trouxeram à equipe o desafio metodológico de vincular as práticas diárias das crianças às práticas propostas pelo Museu. Com o tempo, a equipe chegou à conclusão de que as crianças da escola têm brincadeiras e práticas típicas da infância, ao mesmo tempo que uma forte ligação com a natureza – e que a partir dessas práticas, geralmente vivenciadas em locais abertos, os estudantes haviam criado afetividade com o meio natural, familiaridade com o ato de cuidar e uma perceptível sensação de pertencimento à natureza.

Outro questionamento apresentado pela equipe se refere ao modo como a equipe do museu poderia participar dessa interlocução pré-existente entre a escola e a natureza. Com o intuito de mapear como se dá o contato das crianças com o meio natural e também em que medida esses contatos acontecem de forma prática ou imaginária, foram desenvolvidos alguns materiais disparadores: cartões com perguntas sobre brincadeiras, sensações e percepções dos estudantes em relação às experiências vividas em meio natural. A partir dessa
 provocação, o Educativa recebeu respostas em formatos de vídeos, desenhos e poesias, coletando uma série de pistas sobre como se dá, no contexto da escola, a articulação entre arte e natureza. 

Após essa etapa, iniciou-se uma pesquisa no acervo do museu, em busca de obras que se relacionavam com o fazer artístico dos estudantes, propondo um caminho inverso ao popular método de releitura de obras de arte, em que a criança cria um trabalho artístico a partir de uma obra de arte. Dentro do processo proposto, o que se vê é um protagonismo da brincadeira enquanto um dos principais fazeres das crianças, atrelada ao acervo e às obras de arte do museu. 

A partir desse passo a passo, foi produzido um material educativo caracterizado pelo fazer pedagógico horizontal, tornando ainda evidente a importância da natureza perante o acervo do museu. Com a flexibilização das atividades presenciais no campo da educação, a equipe da Educativa se deslocou até a escola para colocar em prática as ativações e propostas no material – que a partir de então se tornou uma ferramenta disponível às professoras e aos professores da instituição.  

Experiências de reinvenção

Diante do desafio da mediação cultural num ambiente virtual, uma série de prioridades que antes se levava em conta para a realização de pesquisas e a criação de materiais educativos são alteradas significativamente. Enquanto a dinâmica presencial inclui, por exemplo, o deslocamento até o local, a retirada de ingressos e a possibilidade de conviver e conversar com outras pessoas enquanto se espera, o formato virtual reduz a experiência do visitante ao contato com uma tela – seja do computador ou do telefone celular. Nesse último caso, devemos reconhecer, as experiências passam a ser fortemente condicionadas pelas escolhas das equipes educativas sobre o que será compartilhado com o público. 

Dentro desse processo de adaptação institucional, outra questão importante se refere à acessibilidade: se, por um lado, devido ao amplo alcance da internet, podemos atender a muitos visitantes, por outro, quando pensamos nas pessoas com deficiência, muitos conteúdos podem não ser acessíveis, por dependerem exclusivamente de áudios e vídeos, sem a possibilidade de utilizar estímulos e sensações táteis.

Retomando, então, a pergunta feita no início da conversa: “Qual seria o papel da arte e dos museus nesse momento?”, podemos refletir sobre como os museus e instituições culturais podem enriquecer as experiências escolares e pessoais, sobretudo ao aproximar os públicos de seus conteúdos e de suas práticas, até então realizadas, em muitos casos, somente de forma presencial.