A edição de abril de 2021 do curso Transversalidades recebeu Gláucia Enes, professora e especialista em artes, para apresentar o projeto Circuito de Museus, realizado pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED). Como integrante da equipe gestora do projeto, Gláucia compartilha sobre o início, o funcionamento, os desafios e os desejos futuros dessa importante iniciativa

O Circuito de Museus conecta professores e estudantes a instituições culturais por meio de visitas educativas dentro de percursos temáticos. Ao longo de um ano, os estudantes e professores contemplados pelo projeto visitam ao menos três espaços culturais relacionados a uma mesma temática.

O projeto teve início em 2011, com três percursos: Circuito Histórico, Artes e Ciências e Tecnologias, envolvendo 11 instituições culturais parceiras. Em 2018, já havia sido ampliado para nove percursos, abrangendo diferentes áreas relacionadas a linguagens artísticas, ciências, história e patrimônio, contemplando 29 instituições. Gláucia afirma que o sucesso do projeto se deve, em parte, ao suporte de políticas públicas incentivadoras, como os programas Escola Integral e Mais Educação. Atualmente, a iniciativa atinge cerca de 100 escolas e 10 mil estudantes por ano. No momento, contudo, suas ações estão suspensas devido à pandemia de Covid-19.

Circuito de Museus

Para participar do Circuito de Museus, os professores inscrevem um projeto dentro do seu percurso de interesse, apresentando uma proposta de culminância, ou seja, um desdobramento que será realizado junto à escola e aos estudantes. Após a seleção, os projetos são disponibilizados para as instituições culturais parceiras, e a partir daí ocorrem encontros formativos com os professores, ações pré-visitas, visitas mediadas nas instituições e, por fim, a realização da proposta de culminância. A complexidade da dinâmica do projeto demonstra sua preocupação em gerar uma experiência consistente e satisfatória para todos, aspecto que se revela na tríade formada pelo pré-contato entre museu e escola, a recorrência das visitas e a relevância dos desdobramentos em sala de aula.

O Circuito destina-se, atualmente, ao ensino infantil e fundamental, assim como à educação de jovens e adultos (EJA), sendo que estes públicos foram incluídos a partir de demandas dos professores, o que gerou uma significativa mobilização das instituições culturais da cidade de Belo Horizonte. A esse respeito, uma das principais conquistas foi a oferta de visitas noturnas para os estudantes da EJA, resultando também na ampliação do público dos espaços.

Para compartilhar variadas perspectivas sobre a experiência com o projeto, a convidada trouxe um rico acervo de relatos produzidos por diversos agentes envolvidos no Circuito de Museus: professores da educação básica e superior, gestores da SMED e educadores das instituições culturais. Os relatos revelam a importância da articulação entre todos os responsáveis, do engajamento entre a educação básica, superior e museus, assim como do diálogo dos professores participantes entre si e com os educadores dos museus. Desta maneira, podemos concluir que o projeto se mostra uma oportunidade de formação não somente para os alunos, mas também para professores e educadores.

Encontros expandidos

Mas quais momentos estão envolvidos nessas experiências que vão muito além do momentos de visita? Quais são os vários encontros que acontecem ao longo do processo de ir ao museu? Podemos pensar, por exemplo, no encontro dos sujeitos em coletivo, do sujeito com a instituição, do sujeito com a obras e objetos e ainda do sujeito com a cidade e o trajeto. Pensando nisso, o que é mais significativo ou impressionante em uma visita ao museu? Ainda que a resposta seja incerta e variável, sabemos que a experiência de ir ao museu é algo que extravasa o ambiente ou os objetos em questão.

Ainda assim, quando pensamos no currículo escolar, muitas vezes a importância da arte e do hábito de visitar museus ainda não são compreendidas por boa parte dos estudantes. Muitas vezes, contudo, essa situação pode estar relacionada à falta de acesso a esses equipamentos, conforme demonstra o relato de uma estudante do EJA sobre a participação no Circuito de Museus. “Adorei cada espaço visitado. Nunca tinha entrado nesses lugares. Vivo nas ruas dessa cidade, passo na porta do Museu de Artes e Ofícios todos os dias e não imaginava que poderia entrar lá. Agora pretendo visitar mais vezes e levar a minha filha”, afirma ela, durante um vídeo exibido ao longo do encontro com Gláucia Enes. O fato de um mesmo estudante visitar mais de um museu não amplia somente a sua relação com o eixo temático, mas também com os bens culturais e à cidade como um todo, promovendo sentimento de autonomia e pertencimento ao território.

Outro relato muito significativo diz respeito à proposta de dois professores, um de artes e outro de história, que participaram do Circuito História das Mulheres, ao longo do qual visitaram o Museu de Artes e Ofícios com seus estudantes. Após a visita, eles realizaram na escola, junto aos educandos, um projeto que envolveu a criação de teares com materiais recicláveis. Segundo os depoimentos, essa experiência os levou a discutir questões como a divisão do trabalho e o debate de gênero, entre outras. O projeto foi então premiado pelo próprio Museu de Artes e Ofícios, que cedeu um de seus espaços para que o resultado fosse exposto. Experiências como essas demonstram a potência das ações e reafirmam que a experiência não se encerra na culminância, podendo desdobrar-se em situações de protagonismo, pertencimento e a transformação da relação dos estudantes com o Museu.

A escola vai ao museu através das telas

E neste momento pandêmico, como têm sido os encontros entre instituições culturais e estudantes? Muitos espaços estão oferecendo encontros, oficinas e outras propostas virtuais. Sabemos que tais experiências não substituem o contato presencial com a instituição, percurso, as obras e todos os agentes envolvidos. No entanto, a virtualização das ações pode evidenciar outras possibilidades de relações, trazendo aspectos positivos como a possibilidade de conectar aos conteúdos escolas e estudantes de diferentes locais – algo que não seria possível dentro de uma perspectiva de ações totalmente presenciais.

Durante o webinar, uma das participantes questionou Gláucia a respeito de como as ações virtuais realizadas por instituições culturais estão lidando com a exclusão digital. Sabemos, a esse respeito, que a desigualdade de acesso e a exclusão digital são fatores que atingem muitos estudantes da rede pública em diferentes partes do Brasil, tornando necessário pensarmos em possibilidades e estratégias para atenuar os efeitos dessa exclusão.

Trata-se, sem dúvida, de um problema bastante complexo cuja possível solução envolveria ações de diversas esferas políticas e sociais, mas podemos, entretanto, nos inspirar no exemplo de iniciativas como o Circuito de Museus. Ao articular todos os atores envolvidos no sistema, tais quais escolas, instituições culturais, educadores e professores, parece ser possível construir ações e vínculos consistentes, capazes de incorporar as necessidades e demandas dos educandos e, a partir delas, promover ações e experiências significativas para todas as partes.