Coordenada pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a Primavera dos Museus é uma temporada cultural que celebra o início de cada estação com atividades em instituições de todo o país. Em vigor desde 2007, a ação fomenta programações especiais com o objetivo de promover, divulgar e valorizar o trabalho realizado em museus e centros culturais. Intitulada “Museus por dentro, por dentro dos museus”, a 13ª edição da Primavera dos Museus serviu como tema para o curso Transversalidades de setembro de 2019, quando o Programa CCBB Educativo – Arte & Educação recebeu como convidada a servidora do Ibram Marielle Costa.

Por meio de uma abordagem histórica, Marielle refletiu sobre as responsabilidades e funções dos museus, apresentando o longo caminho percorrido até o contexto que experimentamos atualmente. “Os primórdios de uma educação museal no Brasil ocorreram no então Museu Real (atual Museu Nacional), criado em 1818. Entretanto, é somente em 1927 que se cria, oficialmente, o setor educativo da instituição. Antes disso, as ações desenvolvidas pelos museus eram voltadas para estudos científicos e acadêmicos.”, conta.Posteriormente, segundo ela, alguns seminários organizados pela Unesco ao longo da década de 1950 afirmaram a função educativa como inerente aos museus. “A partir daí, pensadores da educação passam a refletir sobre os processos educacionais, relacionando-os aos museus. As discussões estabelecidas ainda não visavam a criação de setores educativos, mas propunham a relação que poderia ser criada entre escolas e museus”.

A efervescência das discussões resulta, em seguida, na criação de um modelo chamado “museus histórico-pedagógicos”, cujo principal objetivo era colocar em prática a proposta da Escola Nova, de John Dewey, a partir da qual se entende que as escolas devem servir não só para a transmissão de conhecimentos, mas também para o aperfeiçoamento dos indivíduos, de modo que eles possam contribuir para a sociedade. Dessa noção surge a ideia de “museu integral”, a partir da qual a função social das instituições é ampliada, e elas passam a considerar também os seus entornos, assim como os trabalhadores internos e as relações que podem ser estabelecidas com a sociedade de forma geral.

Como importantes nomes para o aperfeiçoamento dessas ideias, Marielle Costa cita os educadores Paulo Freire (1921-1997) e Ana Mae Barbosa (1936), assim como a educadora Maria de Lourdes Horta. “Surge, então, uma abordagem patrimonial para a educação em museus. O caminho é observar, perceber do que se trata, explorar, registrar e, então, se apropriar. Essa apropriação, portanto, diz respeito à ideia de pertencimento, não em termos de posse, mas do que nos constitui, porque vivemos aqui e também fomos constituídos a partir do passado do Brasil”, explica.

Mais recentemente, por outro lado, surge uma releitura do que se entende por educação patrimonial. Atualizando o termo, a educadora e pesquisadora Sônia Rampim Florêncio propõe que os territórios patrimoniais devem ser submetidos à leitura de quem os frequenta. “Cada pessoa que entrar em contato com esses lugares da história terá uma leitura diferente, pensada a partir de múltiplas dimensões que envolvem a noção de identidade e símbolo. A partir dessa nova abordagem, passa a ser contemplada a dimensão humana do patrimônio, bem como a dimensão afetiva”, comenta Marielle Costa.

Política Nacional de Educação Museal

Como chefe da Divisão de Educação da Coordenação de Museologia Social e Educação (Comuse) do Ibram, Marielle tem participado ativamente do desenvolvimento de políticas públicas que reafirmam a função educativa dos museus, dentre as quais a Política Nacional de Educação Museal (PNEM), oficializada em 2017. Em linhas gerais, o documento estabelece um conjunto de princípios e diretrizes que têm o objetivo de orientar a realização das práticas educacionais em instituições museológicas, assim como fortalecer sua dimensão educativa e subsidiar a atuação dos educadores.

Conforme nos conta Marielle, os princípios orientadores do documento foram definidos após um amplo processo de participação que incluiu uma consulta pública através de plataforma online, a realização de encontros presenciais regionais e a aprovação da Carta de Petrópolis (2012) e da Carta de Belém (2014), nas respectivas edições do Fórum Nacional de Museus. “Trata-se de uma política que legitima a função política-educacional dos museus e também resguarda a atuação dos educadores. Muitas vezes, apesar de atuarem nas instituições, esses profissionais são tratados com fragilidade por elas. Mas são eles que determinam a impressão que o público visitante terá da instituição; eles são os principais atores que comunicam sobre o museu ou instituição cultural. É necessário que o educador se coloque mais legitimamente no processo de mediação com os visitantes. E, a partir desse marco que é a PNEM, criamos subsídios para refletir sobre a educação museal e a atuação dos educadores mais esclarecidamente.”

Para espalhar a ideia

Para auxiliar na aplicação da política pública, o Ibram lançou o Caderno da Política Nacional de Educação Museal, disponível para download gratuito. A publicação trata dos princípios e diretrizes da PNEM, trazendo um breve histórico da educação museal no Brasil, um resumo do processo de construção do documento e conceitos-chave que devem guiar o trabalho na área. O caderno destaca ainda o protagonismo das Redes de Educadores em Museus espalhadas por todo o Brasil e possui textos de especialistas convidados sobre temas relacionados ao trabalho em museus, como acessibilidade, comunidade, mediação, públicos e sustentabilidade.

“As instituições culturais precisam ser vistas como um respiro em meio à vida cotidiana, seja por meio do lazer dos finais semana ou ainda como espaços educacionais diversos. Nisso, há toda uma potencialidade que precisamos aprender e explorar cada vez mais. A PNEM é um primeiro e promissor passo”, finaliza.