Desde o início da pandemia do Covid-19, a escola continua sendo um dos setores sociais mais afetados pela necessidade de uma nova forma de estar no mundo. Mas que reflexões podemos produzir sobre as novas experiências do ensino à distância? 

Se a rotina da escola mudou, será que o espaço físico da escola, como o conhecíamos até então, também sofre mudanças? Seja com o retorno das aulas presenciais, com a permanência do ensino virtual ou até mesmo a institucionalização dos formatos híbridos, em que medida estamos cuidando da saúde da comunidade escolar, incluindo os nossos queridos professores e professoras?

Nesta edição do curso Transversalidades, convidamos o artista, curador e também professor Fábio Tremonte para uma conversa que desembocou na criação coletiva de perguntas elaboradas a partir dos novos formatos de escolas.

A casa como o único lugar de aprender

A pandemia nos trouxe diferentes camadas de reflexão sobre nossas relações sociais, políticas e ambientais – e tais reflexões podem se dar de forma individual ou coletiva. Nesse contexto, o espaço da escola foi ressignificado, e novas formas de interação foram postas como desafio entre a comunidade escolar e o universo virtual. A casa, por sua vez, se tornou um ambiente polifônico de ensino e aprendizado, onde as tarefas do estudante e do professor frequentemente se confundem com a rotina da casa. 

Nesse novo momento, questões essenciais como a necessidade de melhores condições de trabalho para os professores, seja no que se refere à precariedade de recursos e materiais tecnológicos ou ainda à sobrecarga de aulas em diferentes formatos e contextos, trouxeram ao encontro a seguinte reflexão: como a escola é vista dentro de uma sociedade capitalista, de consumo e de produção?

Em nossa sociedade, a escola é comumente vista como um setor importante para os sistemas político e econômico, por vezes deixando em segundo plano a própria dimensão da educação. Sob a perspectiva de tais sistemas, a escola promove sobretudo um espaço seguro onde os adultos podem deixar seus filhos e se dedicar à prosperidade do próprio trabalho. 

A partir dessa reflexão, levantada por um dos professores presentes no encontro, tornou-se inevitável falarmos também sobre os abismos existentes entre o ensino nas escolas públicas e privadas. É notória, por exemplo, a diferença dos usos e das perspectivas pedagógicas no que se refere aos mecanismos tecnológicos, dando a ver os privilégios das escolas privadas sobre o sistema escolar público. Ao longo do encontro, alguns professores e professoras relataram suas estratégias e os desafios enfrentados em diferentes contextos escolares.

Mesmo atuando em um cenário de grandes desigualdades, a convivência diária com a tecnologia trouxe ao campo da educação uma série de novas experiências pedagógicas, e nós, educadores, descobrimos diferentes formas de trabalhar em formatos com os quais não estávamos acostumados. Já há algum tempo, por exemplo, retângulos enfileirados em telas digitais, um ao lado do outro, têm substituído o espaço das salas de aula – ainda que numa dinâmica recorrente de “câmera aberta” do educador e “câmeras fechadas” dos estudantes.  

Para além disso, contudo, a convivência entre pessoas situadas em diferentes contextos geográficos aumentou significativamente as nossas possibilidades de encontro, ao mesmo tempo em que o Powerpoint se tornou um grande amigo de educadores e educadoras durante a organização de propostas pedagógicas para o ambiente virtual. Depois de experiências tão diversas, o que queremos mudar nas escolas?

Novas perguntas geram novas escolas

O que pode, afinal, ser uma escola em tempos pandêmicos? Que escolas queremos imaginar nesse momento? Na visão de Fábio Tremonte, aprender a perguntar e a refletir sobre nossas perguntas pode nos ajudar a imaginar outros mundos a partir da situação nova que vivemos. As perguntas, como disse Fábio, “servem para ir a algum lugar”. Segundo ele, “não é atoa que a palavra curiosidade aparece quase 100 vezes na obra ‘Pedagogia do Oprimido’, de Paulo Freire”. Dessa forma, podemos perceber como a curiosidade e a construção de perguntas alimentam de modo decisivo o nosso processo de construção de autonomia.

Para o convidado, é muito importante compreender que, no espaço escolar, pautamos nossas formas de viver no mundo. A escola dialoga ainda com outras urgências na rotina dos alunos, como o alimento, o apoio social e a construção de um pensamento político. Na visão de Fábio, é difícil pensar em uma mudança de pensamento quando nos voltamos, agora, para uma mesma estrutura espacial de escola.

Ainda a respeito da importância das perguntas, Fábio escreve o seguinte no texto que apresenta a curadoria educativa do Sesc Sorocaba: “Em pleno ano de 2017, em que leis de educação são alteradas sem consulta à comunidade escolar, orçamentos da cultura são congelados, cortados, extintos, ver que estudantes de todo o Brasil não se contentam em ter seus destinos traçados pelo Estado e se levantam em resistência a essas imposições é ter a certeza de que aprender a questionar, aprender a perguntar será o motor para outros possíveis estares no mundo”.

Sem professores saudáveis não há escola saudável

Fábio atribui um significado importante ao modo como pautamos a responsabilidade dos educadores sobre os estudantes. Em sua visão, por serem adultos e terem condições de dar apoio ao outro, professores e professoras acabam sendo a espinha dorsal de toda a comunidade escolar. Mas será que os familiares dos estudantes compreendem que esses profissionais também precisam de um apoio, sobretudo neste período?

A partir deste encontro, percebemos que os educadores vêm sofrendo, por exemplo, com confrontos de rotinas, formatos híbridos de aulas e técnicas de edição de vídeo. Considerando as experiências relatadas, ficou ainda mais evidente que as aulas não são atividades mecânicas – e o mesmo vale para educadores e educadoras. 

Como disse umas das professoras participantes do encontro: “Nós também precisamos de cuidado e acolhimento. Costuma-se divagar sobre as nossas responsabilidades, mas não percebo divagarem sobre as nossas emoções”. Pensar a educação como um processo – sobre o qual nem sempre temos controle – aparece, então, como um caminho do qual não podemos nos esquecer.