Seguindo os moldes de uma visita mediada, Allan da Rosa foi o convidado para o curso Transversalidades de junho no CCBB SP. Em um percurso pela exposição “Ex África”, provocou o público a pensar sobre influência da cultura africana e afrodescendente nas artes, que por questões de exclusão racial permanece invisível.

Por exemplo: o Naijapop e seus artistas são ainda nomes pouco conhecidos na grande mídia internacional. No entanto, ao adentrar o espaço da exposição “Ex África” preenchido por seus videoclipes, a música soa familiar. Parece bem com o hip hop ou com as divas do pop norteamericano. A semelhança não é por acaso! A versão americana bebe bastante na fonte do pop nigeriano, embora a versão americana seja mais conhecida. A música pop nigeriana é uma expressão cultural cuja indústria possui raízes próprias. Aliás, como enfatiza Allan da Rosa, se pararmos para pensar na abrangência da Diáspora Negra, a construção de ritmo e a musicalidade de origem africana exercem influência mundial.

Pop, Jazz e Blues, Reggae, Samba e quantos mais outros ritmos podemos, aqui, citar? Com o pop americano contemporâneo não é diferente, a renovação e inventividade vem da influência dos artistas do Naijapop. Celebridades como Kanye West, vão à Nigéria atrás de produtores e parcerias, o que tem aumentado ainda mais a abrangência da indústria da música nigeriana.

Assim como na música, a Nigéria é também um expoente da sétima arte. Allan da Rosa explica que a cultura do país é profundamente imagética, o que se dá especialmente por elementos culturais e artísticos dos três povos formadores: os Iorubá, os Igbo e os Houçás (especialmente através da poesia islâmica). A Nigéria é o país que lidera uma intensa produção artística e cultural dentro da África e cuja influência não para de conquistar novas fronteiras.

Isso explica o surgimento de uma uma forte indústria do cinema, batizada de Nolywood, que em 2016 chegou ao lugar de segunda maior do mundo. O cinema nigeriano possui linguagem e estética próprias e teve se boom graças ao foco em filmes feitos para serem assistidos sob demanda, no movimento que antecipou a febre atual de empresas especializadas neste serviço. A grande estrela de Nolywood, Omotola Jalade-Ekeinde, quase desconhecida no Brasil, foi considerada em 2016 uma das 10 artistas mais influentes do mundo.

Allan ressalta que quase não existem informações sobre Nolywood em português, mas vários dos filmes estão disponíveis na internet, em sites de filmes sob demanda.

A resistência e o surgimento do movimento negro

A Diáspora Africana foi uma imigração forçada com fins escravagistas e, como aponta Allan da Rosa, o mais cruel genocídio da história. A influência da cultura africana foi então espalhada por todo o mundo, porém sob forma de resistência, um forte contraponto, à cultura de assimilação. A potência das colonizações da era moderna reside na forma como a assimilação cultural foi implementada. Isso explica tanto a independência tardia de países africanos quanto a marginalidade da cultura dos povos africanos nos países que tiveram mão de obra escrava, mesmo após a independência.

Na história recente, a Primavera Árabe de 2009 – que teve início no Egito e se espalhou por todo o norte da África muçulmana – é certamente o momento em que estes países insurgem de forma contundente contra a cultura da assimilação que teve origem na era das colonizações. Partindo deste cenário, Allan resgata a história da cultura afrodescendente ao longo do século XX e XXI e revela um lado da história das artes, da filosofia e da produção de conhecimento fundamentais para repensar todos os discursos.

A resistência

O movimento da negritude, como nomeia Allan da Rosa, começa com os negros cidadãos de colônias que vão estudar na Europa. Sobretudo em Paris, eles passam a sentir o choque dos efeitos das colonizações. Este é um tipo de migração que contribui e abre o caminho para o movimento das independências dos países africanos a partir de da década de 1960.

O argelino Aimée Césaire escreve a obra fundamental, considerada inaugural do movimento negro e, ao mesmo tempo, crítica com argumentos consistentes e precisos a toda política colonial. Discurso sobre o colonialismo é lançado em Paris e Aimée realiza conferência sobre o tema na Sorbonne.

Há ainda a icônica obra Peles Negras, Máscara Brancas, do médico psiquiatra e filósofo Franz Fanon. O francês nascido na Martinica, assim como Aimée, escreve uma obra que discursa de forma crítica à colonização europeia dos continentes americano e africano.

Ainda hoje, observamos o pouco alcance no meio da escola institucionalizada de trabalhos fundamentais como o de Césaire. Neste sentido vale ressaltar a importância de jovens negras artistas, pensadoras e líderes se posicionarem e produzirem conhecimento.

Chimamanda Ngozi e grande parte das mulheres negras que hoje assumem um lugar de fala para alertar, conscientizar e transformar realidade das futuras gerações de afrodescentes, valem-se do conceito da interseccionalidade. Um conceito criado pela jurista Kelly Crenshaw que passa a considerar num contexto de análise todas as formas de diferenças (sociais, financeiras, de gênero, classe…) que um grupo ou pessoa específica pode se enquadrar e quanto isso importa na construção da identidade.

Ancestralidade X arte africana contemporânea

O contexto de surgimento do movimento Negro e seu desenvolvimento abriram espaço para que a arte africana se desenvolvesse também em paralelo a este movimento de recontar a história dos negros a partir da Diáspora. Isso criou o cenário para o boom de uma arte que tem como expoentes artistas como o nigeriano Fela Kuti, um artista de alcance mundial e que, mesmo durante o regime militar, manteve-se como resistência. 

Arte e política não se separam nunca na história da negritude. Fela Kuti representa não só uma gama artistas e influentes negros de meados do século XX, mas permanece ainda como um dos artistas mais inventivos, políticos e revolucionários do cenário contemporâneo. Pai do Afrobeat, ritmo que revolucionou a música, Kuti foi também um ativista incansável ao longo do período de forte ditadura na Nigéria, logo após a independência.