O Arte Pará surge em 1982 como um marco importante para o cenário artístico e cultural de Belém e, de forma mais geral, para o panorama nacional das artes visuais. Teve sua abertura em uma quinta-feira que antecede o Círio de Nazaré. Desde então, vem acompanhando o desenvolvimento, influenciando e visibilizando a cena artística local e nacional. 

Voltado à produção e à propagação do conhecimento sobre arte contemporânea, o Projeto Arte Pará tem como plataforma prioritária a formação de público por meio da  disseminação da produção artística atual, da execução de curadorias educativas elaboradas pontualmente sobre uma metodologia de seus conteúdos e da experimentação do exercício pedagógico de suas ações entre a pesquisa, a cidade, as obras e os artistas.  

O desenho do projeto se configura a partir de um  movimento de observação dos ritmos da cidade, como, por exemplo: a polifonia e atividades do Complexo do Ver-o-Peso, o movimento dos rios, os espaços culturais existentes, a arquitetura e o pulsar cotidiano do clima, que é um fator que afeta significativamente os nossos sentidos: 

Estamos falando das culturas de bordas enquanto interferências espaciais, assentadas no centro de Belém, onde o trajeto estético cotidiano se manifesta através das expressividades compositivas existentes nas bancas de camelôs (vendedores ambulantes), frequentes nas áreas comerciais da cidade. Os produtos populares resistem diante das tecnologias, das novas tendências e designs arrojados. Perfilados, estão na trajetória cotidiana como interferências estéticas abertas a outras tantas interferências dos sujeitos envolvidos, personagens que criam e recriam as infindáveis paisagens estéticas. (LIMA; NABICA, 2014, p.72).

A partir dessa convivência com a cidade e a experiência vivenciada num período de três meses que antecede a abertura do Arte Pará, passa-se à fase de planejamento, estudos, encontros com pesquisadores, contato com artistas, curadores das mostras e com os  educadores que já trabalham nos espaços expositivos onde o projeto aconteceu.

O circuito é itinerante e se dá no Museu do Estado do Pará, no Museu Paraense Emílio Goeldi, no Museu de Arte Sacra e no Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, com o propósito de firmar parcerias e, assim, planejar atividades práticas com a arte. Outro fator que amplia o diálogo é a ação interdisciplinar das áreas de conhecimento, tendo em vista que as discussões que envolvem a arte contemporânea se estendem a múltiplas áreas de conhecimento e, desta forma, as Artes Visuais vêm sendo objeto de interesse de artistas, antropólogos, historiadores, arquitetos, museólogos e críticos de arte (MENEZES NETO, 2018). 

Sendo assim, os estudantes que participam do processo de mediação cultural no Arte Pará são dos cursos de Artes Visuais, Design Gráfico, Comunicação, Filosofia, Ciências Sociais, Arquitetura e áreas afins. Tudo isso gera transformação e experimentação de propostas educativas nos espaços expositivos; esses atravessamentos dos campos de saberes seguem enriquecendo e potencializando as Artes Visuais e suas possibilidades no mundo contemporâneo. Essas trocas vêm, a cada  edição do Arte Pará, ganhando força na mediação em que passamos a discorrer, sobre a plataforma da obra contemporânea que atravessa um campo líquido a navegar.

Nesse sentido, constata-se uma proposta pedagógica construtivista, aliada às aprendizagens trazidas durante o processo de formação, a experiência no espaço expositivo nas visitações e, fundamentalmente, a construção autoral de percursos na curadoria educativa, tendo a área de conhecimento da arte como matriz indicativa, tendo em vista que:

A pedagogia construtivista é uma proposta democrática. Existe, na verdade, determinada correlação entre o desenvolvimento da inteligência e a organização da vida individual e social sobre bases democráticas, racionais. Se cada indivíduo constrói seu mundo psíquico de modo sui generis, irrepetível, então cada criança representa uma riqueza em si, e é, portanto, merecedora de respeito e da mais alta consideração. Além disso, no diálogo e na cooperação temos também a possibilidade de enriquecermos com a forma específica em que o outro construiu determinado conhecimento. Tolerância face à diversidade psicossocial, o respeito à individualidade da criança, ao direito e às opiniões alheias, liberdade, ausência de autoritarismo, igualdade, cooperação, consciência e exercício da cidadania. Tal é o que emana do paradigma teórico construtivista aplicado à educação. (ARIAS; YERA, 1996, p. 14).

Parte dessa premissa que rege o conhecimento e os saberes, fruindo num processo de ensino e aprendizagem, considerando o envolvimento e o enredamento do público visitante, em um constante desafio de criar relações e interesse pelas artes. Assim, significados imputados e retirados da obra contemporânea e do contexto expositivo pelo público são considerados pelos mediadores como orientações para a reflexão e conteúdos que se configuram nos planejamentos.

Essas ações educativas se fortalecem no decorrer de dois meses nas exposições, e gradativamente aumentam a promoção de discussão e formação ampliada acerca da experiência artística contemporânea. Dessa forma, acreditamos contribuir para a organização, a sistematização e a apresentação de um trabalho qualitativo junto aos educadores que fazem a mediação nos espaços expositivos; junto às parcerias com as instituições de pesquisa e de cultura de Belém, na inter-relação de proposições educativas no Brasil. Esse fator firma-se como uma reflexão sobre educação em espaços culturais e suas diferentes formas de elaboração com os educadores que devem estar atentos para a visitação de cada dia.

A arte-educadora e pesquisadora em artes Rosa Iavelberg, da Universidade de São Paulo (USP), juntamente com Antônio Eleilson Leite, coordenador de cultura da Ação Educativa, foram convidados para fazer o lançamento da coleção Vídeos Percursos da Arte na Educação. Nesse projeto, os educadores compartilharam a curadoria. O momento foi oportuno, pois fizeram a exibição do vídeo no qual a curadora educacional do Arte Pará, Vânia Leal Machado, faz parte do projeto.

A formação de mediadores culturais (FIGURA 1) para o Arte Pará conta com um ciclo de palestras e encontros nos quais ocorrem trocas, experiências e reflexões provocativas, constituindo um espaço de exercício da fala, da observação e da escuta. Percebemos, desta forma, a potência do diálogo, este que se consolida em uma perspectiva pluriversal, pois, conforme aborda Freire (2018), cada indivíduo carrega em si uma bagagem de saberes, sensações e percepções que adquire através do contato com o mundo que o circunda, pois: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediados pelo mundo.” (FREIRE, 2018, p. 95).

Figura 1 – Formação continuada de mediadores no Arte Pará 

Fonte: Foto de Vânia Leal

Para Freire (2018), os seres humanos em suas ações cotidianas atribuem sentidos a esses atos, pois há um simbolismo recorrente nas atividades humanas que são históricas. Os indivíduos não vivem simplesmente “por viver”, as existências são advindas de racionalidades distintas e plurais, através do pensamento e da reflexão contínua sobre a condição humana e o devir no mundo:

Os homens, pelo contrário, ao terem consciência de sua atividade e do mundo em que estão, ao atuarem em função de finalidades que propõem, ao terem o ponto de decisão de sua busca em si e em suas relações com mundo, e com os outros, ao impregnarem o mundo de sua presença criadora através da transformação que realizam nele, na medida em que dele podem separar-se e, separando-se, podem com ele ficar, os homens, ao contrário do animal, não somente vivem, mas existem, e sua existência é histórica. (FREIRE, 2018, p. 124).

É nesse sentido de entender os seres humanos como geradores de questões, como existências históricas, que percebemos durante a formação de mediadores no Arte Pará o surgimento de indagações, inquietações e apontamentos sobre as questões que envolvem a mediação cultural e a arte contemporânea em nossa sociedade.

E nesse traçado de vias à mediação, ficam perceptíveis as múltiplas facetas desse campo e, por isso, os temas debatidos pelos palestrantes são múltiplos, envolvendo questões como decolonialidade, visualidade amazônica, ética, gênero, identidade, arte, educação, história e algumas outras temáticas que não estavam soltas, mas, sim, conectadas. É justamente sobre a pluralidade da prática da arte contemporânea que nos fala Anne Cauquelin: “um sistema de signos circulando dentro de redes” (CAUQUELIN, 2005, p. 120).

É uma sistemática que circula por meio de redes: a mediação cultural perpassa pela construção de saberes e estudos que, em sua prática, possui o objetivo de buscar a criação de um ambiente acolhedor ao público que adentra os espaços das exposições. É essencial compreender a presença dos mais variados públicos, famílias, crianças, idosos, adultos, adolescentes e grupos escolares. Sendo esse público diversificado, ele irá trazer questões diferentes, por isso o mediador deve estar sempre atento à maneira com a qual irá realizar a sua função.

No que tange à democratização do contato da sociedade com os museus, Carlos Saldanha, em sua palestra, ressaltou a importância da conscientização e do acesso do público escolar a esses locais, onde o mediador possibilita uma experiência enriquecedora aos visitantes. Vale lembrar também o que Martha Lemos, em sua palestra, nos alertava sobre as juventudes plurais, ou seja, até entre o público dos estudantes há variações que perpassam pelas questões de gênero, étnico-raciais e de classe social. Cabe ao mediador possuir um olhar crítico às contradições presentes em nossa sociedade – tudo isso em uma ação dialógica e ética.

E no decorrer da formação, os mediadores compreendem que a mediação é um processo de diálogo horizontalizado e não um monólogo, no qual o conhecimento é traduzido de forma ampla, uma articulação de experiências entre o mediador e o público. O mediador é um propositor, ou melhor, como nos disse Gil Vieira, em uma das palestras de formação: “O mediador é um catalisador”, pois a mediação é como um jogo intermediado pela relação entre mediador, público, artista, obra e museu. O mediador deve estar em constante processo de desconstrução, revisitando, revisando e estudando constantemente o processo de mediação.

O processo de mediação (FIGURA 2) é como a visualidade amazônica de que nos fala Paes Loureiro (2001): “Uma forma de beleza que se realiza no olhar que estranha o mundo. O imprevisível apreendido”.  É pensar a arte-educação e o seu papel de desenvolver a cultura visual do povo, de ver a arte, as imagens e ser capaz de ler e refletir criticamente sobre elas (BARBOSA, 1991). Como nos diz Ana Mae Barbosa (2016), se através da linguagem verbalizada é enriquecedor descobrir novas palavras, também é importante visualizar criticamente novas imagens, para assim “enriquecer a iconografia do olhar”.

Figura 2 – Ação educativa de mediação cultural com escolas no espaço expositivo

Fonte: Foto de Vânia Leal 

Ademilton Júnior, estudante de Artes Visuais da Universidade da Amazônia (Unama), fez um relato de experiência da mediação no Arte Pará. Ademilton foi mediador na edição anterior, e hoje se configura como um educador que coordena ações expositivas, num processo autoral. 

Outra ação que teve uma interação forte com o público estudante foi a conversa aproximada do artista no espaço expositivo diante de sua obra. Assim, Alexandre Sequeira (PA), artista homenageado, Paulo Sampaio (PA), artista selecionado, Danielle Fonseca (PA), artista selecionada, Melissa Barbery (PA), artista selecionada, Victor de La Rocque (PA), artista selecionado, e Bia Medeiros (BSB), artista premiada, falaram com o público acerca de seus processos de investigação. Essa ação vem sendo fortalecida a cada edição do Arte Pará.

Nessa perspectiva, o Seminário de Educação e Arte da 32ª Edição Arte Pará 2013 trouxe para o campo de discussão a pesquisadora em arte Val Sampaio, da Universidade do Pará (UFPA), com o tema: “A linguagem da Arte Contemporânea: um campo líquido a navegar”. Essa proposição suscitou questões acerca da mediação inter-relacionada com a arte; o sujeito fragmentado, redes sociais, as várias identidades comuns a essa relação de vários “eus”.

Posteriormente, o artista homenageado, Alexandre Sequeira, falou de seus processos de investigação na arte, pontualmente acerca da série “A reinvenção da memória na Vila de Lapinha da Serra”. Assuntos referentes à ética nos museus e a apresentação do projeto Arte Pará foram mediados pela designer Luana Machado, que já vem há duas edições experimentando a curadoria adjunta educacional do projeto.

A coordenadora do Programa Educativo do Sistema Integrado de Museus, Zenaide Paiva, abordou as questões acerca de arte-educação em museus, em sintonia com projetos sazonais, como é o caso do Arte Pará. A educadora do Museu de Arte do Rio-MAR, Janaina Melo, falou de sua experiência em processos educativos pensados para o Inhotim – Instituto de Arte Contemporânea e Jardim Botânico e o MAR. Sem dúvida, foi um momento ímpar de troca e partilha de processos de ensino-aprendizagem em arte.

O educador de museus Ademar Queiroz, responsável pelo agendamento de visitação de escolas, falou dos processos funcionais para que ocorra organização na agenda de visitação. É uma ação compartilhada que acontece em sintonia.

Pensando no público externo, dois workshops marcaram significativamente a qualidade das ações educativas. O artista homenageado, Alexandre Sequeira (PA), abordou a Poética do Encontro: fotografia e relações de trocas simbólicas. O público participante foi ampliado e convictamente iniciou-se a formulação de conceitos acerca do trabalho do artista para outros processos artísticos.

Ana Maria Maia (PE) abordou a questão do conceito “Contemporâneo?. ‘Contemporâneo’. Contemporâneos.”. Na proposta, Ana dialoga com o grupo, conforme a performance de Tino Seghal (It’s so contemporary, so contemporary, so contemporary…, 2005), e instiga acerca de vivermos o contemporâneo como um ato em si, uma celebração da atualidade, uma justificativa cronológica para tudo. Se a arte é feita no presente, então ela é contemporânea. Seria mesmo? Crescem na produção artística e teórica tentativas de se definir um estatuto não apenas cronológico, mas crítico e, acima de tudo, político, para o contemporâneo, para a contemporaneidade, para a arte contemporânea.

Essas ações são importantes, para o projeto Arte Pará, para a construção, a participação e a discussão de um público mais ampliado.

Ressaltamos as oficinas coordenadas pela educadora de museus Zenaide Paiva, que aconteceram sistematicamente no decorrer do período expositivo. Ademilton Júnior ministrou a oficina intitulada Pintando Realidades, especialmente para a comunidade do lixão do Aurá, que experimentou uma tarde no museu.

A percepção desenvolvida a partir das experiências educativas nos espaços expositivos do Arte Pará nos encaminha para o processo de sistematização do ensino-aprendizagem para a arte contemporânea através de temas que atravessam formas de aprendizado, que se organizam a partir do suporte contemporâneo utilizado nas práticas artísticas.

Assim, por meio de pintura, gravura, desenho, intervenção, instalação, entre outros, além do contato com os artistas na liberdade dialógica do público visitante, na participação ativa nas ações que buscam clareza nos conceitos e nos acontecimentos vitais para o mundo contemporâneo que revigoram a produção artística atual, nosso projeto se renova a cada edição.

Referências bibliográficas

ARIAS, José O. Cardentey; YERA, Armando Pérez. O que é a pedagogia construtivista? Rev. Educ. Pública., Cuiabá, v. 5, n. 8, jul./dez. 1996. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 65. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018. 256 p.

LIMA, M. B. ; NABICA, C. M. B. Uma tradução visual e sonora da feira do Ver-O-Peso: em Belém do Pará, a estética na Cultura de Bordas. BORDAS – Revista do Centro de Estudos da Oralidade – PUC-SP , v. 1, p. 70-76, 2014.

MENEZES NETO, Hélio Santos. Entre o visível e o oculto: a construção do conceito de arte afro-brasileira. 2018, 234p.. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2018.