Educadora da Pinacoteca do Estado de São Paulo há 11 anos, Sabrina Ribeiro é surda e atua como artista visual, palestrante e pesquisadora. A experiência em diversos museus e instituições da área de arte e cultura a levou à especialização em Arte e Educação pelo Centro Universitário Senac – e também a estudar, durante o curso, em que medida os espaços culturais estão preparados para receber membros da comunidade surda. Na edição de setembro de 2019 do curso Transversalidades, ela abordou aspectos da pesquisa que vem desenvolvendo ao longo dos últimos anos,trazendo ao público do Programa CCBB Educativo – Arte & Educação uma reflexão sobre a importância da acessibilidade para pessoas surdas em espaços de cultura e atividades de educação.

“Museus e centros culturais como o CCBB e a Pinacoteca são espaços criados para que as pessoas entrem em contato com a arte e, também, com a história do Brasil e do mundo. Nesse processo, o público frequentador adquire novos conhecimentos e estabelece uma conexão com a cultura. Portanto, privar os surdos do acesso ao conteúdo presente nas exposições e acervos vai contra um dos propósitos básicos das próprias instituições: democratizar o acesso à cultura e usá-la como instrumento educativo. Algo impossível de colocar em prática sem pensar a acessibilidade”, analisa.

Em sua pesquisa, Sabrina Ribeiro aponta que, durante muito tempo, os surdos foram considerados incapazes de se expressar e raciocinar. Em culturas baseadas na comunicação oral e escrita, sempre foi muito difícil para as pessoas compreenderem que um indivíduo não-ouvinte também é capaz de aprender e se comunicar – usando, no entanto, recursos e linguagens cuja base é a visualidade.

“Desde os primórdios da língua de sinais, que surge nas comunidades de pessoas surdas, entende-se que as palavras serão articuladas essencialmente pelas mãos e percebidas através da visão. Essa noção se mantém até hoje e é importante destacar que cada país possui a sua língua, na medida em que os signos e símbolos variam em cada cultura”, explica, tendo como exemplos a Língua Americana de Sinais (ASL), a Língua Gestual Portuguesa (LGP), a Língua de Sinais Australiana (AUSLAN).

Reconhecimento e representatividade

Sabrina destaca a importância da cultura surda para a inserção de não-ouvintes na sociedade, assim como para o próprio reconhecimento entre seus pares. “Ela é a maneira que o sujeito surdo tem de entender o mundo e também de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com percepções visuais que apontam para a definição de uma identidade surda própria. Isto significa que essa cultura abrange as línguas, as expressões, as crenças, os costumes, os valores positivos e ainda os hábitos do povo surdo. Por que não trazê-la para dentro do museu e do centro cultural?”, questiona.

Para tanto, em sua visão, é necessário que esses espaços sejam, além de acessíveis, convidativos e capazes de explorar o seu potencial agregador. Partindo da própria experiência, a convidada defende que a presença de uma educadora surda, por exemplo, faz com que o público não-ouvinte se sinta representado e mais à vontade para explorar o museu. Seja por meio de intérpretes presentes em visitas mediadas, ou então de vídeos que tenham tradução em Libras, são várias as estratégias que permitem ao público não-ouvinte compreender e acessar o que está disposto em galerias e museus.e

“A formação desses educadores deve ter como base a leitura de textos e também envolver a preparação de estudos que relacionem a língua natural do profissional (a Língua Brasileira de Sinais) e a língua portuguesa. O objetivo é que esse educador se transforme num mediador de arte e cultura, se comunicando por meio da língua de sinais e, através da mediação, faça com que o público possa compreender o mundo da arte”, explica.

A partir de estratégias como essas, a presença de pessoas surdas nas atividades do museu se torna, na visão da convidada, natural e efetivamente possível. “Sendo assim, as instituições passam a valorizar comunidade surda, construindo uma espécie de ponte entre o mundo da arte e a realidade da vida cotidiana. Transformar o pensamento e a reflexão presente nas artes em uma experiência perceptiva visual tem o potencial de trazer para dentro dos espaços de cultura o desenvolvimento social e cultural almejado, utilizando tanto a língua portuguesa quanto a Libras em todas as atividades – afinal, também é importante que ouvintes participem de atividades nas quais a língua interpretada é a dos surdos.”