Em outubro de 2019, durante mais uma edição do curso Transversalidades, a crítica de arte e curadora independente Marília Panitz propôs, dentro do Programa CCBB Educativo – Arte & Educação, uma discussão sobre a primeira ação educativa desenvolvida no CCBB DF. O encontro reuniu professores e educadores, além de outros públicos interessados, e ocorreu em meio às comemorações do aniversário de 30 anos da inauguração do primeiro CCBB, no Rio de Janeiro, em 1989. Mestre em arte contemporânea e ex-professora da Universidade de Brasília (UnB), Marília atuou, entre 2000 e 2013, como coordenadora da ação educativa do centro cultural. Ao longo desse período, também desenvolveu projetos de curadoria para a instituição. 

“Costumo dizer que penso na arte como item indelevelmente à vanguarda, e a educação, à retaguarda – e sempre espero não ser mal interpretada por causa disso. Como a vanguarda avança sem esse tecido que vem sendo armado a partir daquilo que ela desbrava? Por isso eu acho tão incrível um trabalho educativo dentro de uma instituição de arte: é encontrar o equilíbrio entre a vanguarda e a retaguarda”, afirma a pesquisadora, ao ressaltar a importância da articulação entre diferentes processos dentro dos sistemas da arte e da cultura.

Em sua fala, Marília destaca a exposição “A marquise, o MAM e nós no meio”, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM SP) entre maio e agosto de 2018, promovendo uma ponte entre uma das salas do museu e as ações comumente realizadas na marquise do Parque do Ibirapuera. “Para mim, o lugar do educativo é sempre um nós no meio, diferentemente do que normalmente se pensa quando se relaciona o trabalho dos educadores com uma educação do olhar”, analisa.

“É necessário que haja um cuidado especial quanto a isso. Esse ʽnós no meioʼ não pode ser impeditivo para que determinadas questões sejam suscitadas durante uma visita mediada, por exemplo. É necessário, por outro lado, que se dê o máximo possível para que o olhador, ou seja, o público, possa compor a sua própria visão sobre as obras que estão expostas, levando em conta os elementos propriamente externos que interferem durante uma ida a um museu ou centro cultural”, explica, citando fatores como a institucionalidade do espaço e os materiais de divulgação como exemplos de fontes de interferência.

Primeiras experiências no CCBB DF

Já com a bagagem de pesquisadora em arte e educação, Marília Panitz integrou o primeiro programa educativo do CCBB DF, desenvolvido simultaneamente à inauguração do centro cultural, em 2000. “Passamos o primeiro ano aprendendo como as operações eram feitas e, a partir do segundo, já tínhamos uma noção mais clara sobre em que queríamos transformar a nossa atuação. Em um determinado momento, entramos em contato com o [curador] Paulo Herkenhoff, que nos guiou durante todo o processo de aprendizado para trabalhar nas exposições, investigando os espaços de forma mais criativa e colaborativa”, relembra. 

Em outro momento, ela conta ter experimentado o papel duplo de curadora e coordenadora da ação educativa, o que a levou a perceber o quanto um trabalho alimenta o outro e permite tornar uma visita ao centro cultural em uma experiência que ultrapassa a mera fruição das obras. “Posso dizer que eu tive a sorte de ter feito alguns cursos no MAC (Museu de Arte Contemporânea da USP) quando a diretora da instituição era Ana Mae Barbosa, e a abordagem das aulas era muito voltada para o entrelaçamento da curadoria e do educativo”, conta, fazendo referência à educadora brasileira que se tornou pioneira em arte/educação por sistematizar sua Proposta Triangular de aprendizagem. 

Mais adiante, Marília cita a exposição coletiva “Gentil Reversão” (2001), realizada no CCBB DF e composta por trabalhos de Ana Miguel, Chico Amaral, Elder Rocha Filho, Gê Orthof, e Ralph Gehre. Os cinco artistas, que àquela altura formavam um grupo homônimo à exposição, convidaram a então coordenadora da ação educativa da instituição para ser uma espécie de sexta integrante da mostra. “Partindo da premissa de borrar as fronteiras entre os diferentes trabalhos expostos, produzimos um material educativo junto com os artistas, transpondo, assim, a ação para dentro da galeria de arte. Esse material, que se assemelha bastante ao que hoje o CCBB Educativo dá o nome de Convite à Ativação, também era uma maneira de trazer o olhar do público não para educá-lo, mas para que ele se sentisse parte do projeto que estava sendo apresentado no CCBB”, conta. 

Segundo ela, o mesmo ocorreu durante a exposição “Fluxus” (2003), que reuniu trabalhos de artistas do movimento de mesmo nome, entre eles Joseph Beuys, Nam June Paik e Yoko Ono. Naquele contexto, a ação educativa era responsável por convidar o público a compor novos trabalhos a partir de uma série de instruções que correspondiam à atuação dos artistas. Marília conta que o comportamento de muitas pessoas em relação a esse material deixava evidente o seu desconforto com a produção de arte contemporânea. Por outro lado, crianças e adolescentes costumavam tirar de letra a proposta elaborada pela equipe. “Nesse sentido, passamos a explorar o próprio estar na galeria como prática pedagógica, realizando a prática educativa de produção, ou seja, oficinas dentro do espaço expositivo”, explica. 

100 Anos de Athos Bulcão

Mais recentemente, Marília Panitz, junto com André Severo, assinou a curadoria de “100 Anos de Athos Bulcão” (2016), exposição itinerante que percorreu as quatro unidades do CCBB. “Nela, a gente teve um trabalho bastante direto com a atual ação educativa do CCBB, ou seja, a equipe do JA.CA – Centro de Arte e Tecnologia. Disso, nós tiramos lições importantes, e foi muito interessante ter essa conversa com eles, inclusive para a nossa curadoria”, conta. 

Disponível no site do programa CCBB Educativo, o Convite à Ativação desenvolvido para a mostra parte de duas perguntas: “Como os azulejos chegaram aqui?” e “Como seria a sua cidade?”. A partir disso, o público é convidado a conhecer um pouco mais sobre a história da azulejaria no Brasil, e também a realizar uma dinâmica de criação que envolve adesivos que reproduzem o trabalho de Athos.   

“O material tem uma riqueza porque convida o público a experienciar a criação do artista. Isso mudou um pouco a chave da nossa curadoria, porque antes estávamos mais preocupados em mostrar uma riqueza artística, quando, na verdade, o segredo estava em pensar a integração entre arte e arquitetura. Isso mostra que o educativo pode – e deve – ultrapassar as fronteiras da mediação e influenciar, também, a própria curadoria, comprovando que a relação exposição-educadores não precisa ser unilateral”, conclui.