No Brasil, o processo educativo é frequentemente associado a crianças e adolescentes do ensino fundamental e médio que, posteriormente, entrarão no ensino superior quando se tornarem jovens adultos. Limitada, essa noção exclui modalidades de ensino que atendem a outras faixas etárias, como defende a professora Jaqueline Ventura no curso Transversalidades do Programa CCBB Educativo – Arte & Educação. Mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), ela convidou o público do CCBB RJ a uma imersão no universo da Educação de Jovens e Adultos (EJA), sem deixar de lado os entraves que impedem a sua plena realização.

Criada pelo Governo Federal e incluída na Constituição de 1988, a EJA é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis da Educação Básica do país, sendo destinada a jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso à educação em escolas convencionais na idade considerada “apropriada”. Em teoria, permite que o estudante retome os estudos e os conclua em menos tempo, possibilitando, dessa forma, sua qualificação para conseguir melhores oportunidades no mercado de trabalho.

“Na Lei, o conceito de Educação de Jovens e Adultos é o mais próximo do ideal, mas peca por não reconhecer a diversidade dos alunos que frequentam as aulas. Em geral, eles são sujeitos trabalhadores e pertencem aos grupos mais destituídos de direitos da sociedade brasileira e que ao longo de suas vidas não tiveram acesso à educação, mas também ao lazer e ao transporte de qualidade, por exemplo. Eles são um conjunto amplo, heterogêneo e pertencente à classe trabalhadora”, comenta.

Segundo a pesquisadora, ao enunciar que as aulas da EJA são um combustível para melhor inserir esses sujeitos no mercado de trabalho, a Lei desconsidera o poder de emancipação inerente ao ensino e ao conhecimento. “Nossos alunos são alunos como outros quaisquer e devem ser tratados como tal, não em menor conta. Essa ideia reduz a educação à certificação, ou seja, às necessidades do campo econômico, com a negação do direito ao conhecimento. A EJA, portanto, se torna utilitária ao mercado, e somente a ele”, analisa.

Dessa forma, o campo se torna a ponta mais frágil das questões que envolvem a educação pública brasileira, na medida em que não somente atende a uma população invisível e marcada por desigualdades. Jaqueline Ventura ainda pontua que outras razões levam à precarização do ensino para jovens e adultos, a exemplo da limitação de carga horária, já que as aulas normalmente acontecem no período noturno, e da falta de infraestrutura física e organizacional das escolas para receberem alunos mais velhos.

Função Social da EJA

Ultrapassando uma visão que reduz a educação ao atendimento de demandas do mercado de trabalho, a professora apresenta uma perspectiva ampliada sobre a experiência da escola. “O principal compromisso da Educação de Jovens e Adultos é promover a formação humana e o acesso à cultura em geral, de modo que os educadores promovam a consciência crítica e o desenvolvimento da autonomia intelectual, ou seja, o conhecimento com compromisso de formação libertadora e emancipadora”, pontua, ao falar sobre as funções da EJA.

“Uma sala de aula ocupada por somente oito alunos significa que ali estão oito indivíduos que têm direito ao acesso à educação, que não deve ser tratada como gasto ou investimento, e sim como direito”, continua.

Redução e precarização

Nos últimos anos, Jaqueline Ventura tem notado a redução e precarização da oferta da EJA. “Em um contexto de retrocesso e mercantilização da educação, o financiamento público é estancado e regride, enquanto surgem uma série de cursos supletivos privados com foco na certificação e, muitas vezes, sem controle do Estado”, pontua. Para ela, a redução de recursos para a EJA leva o país a procurar saídas pouco eficientes, como os currículos restritos e o crescimento de ofertas de cursos de educação à distância.

“Nosso principal objetivo é contribuir para o aluno pensar de forma autônoma. Não ter um espaço como a escola para que ele possa estar presente, participar de dinâmicas coletivas e, sobretudo, ter contato com o professor impede uma série de etapas do desenvolvimento educacional”, aponta.