Em outubro de 2019, durante mais uma edição do curso Transversalidades, a pesquisadora Fernanda Regaldo propôs, dentro do Programa CCBB Educativo – Arte & Educação, uma reflexão crítica sobre a maneira como as cidades são construídas e como as crianças circulam e se relacionam com esses espaços urbanos. O encontro aconteceu no CCBB BH e reuniu professores e educadores, além de outros públicos interessados.

Editora da revista Piseagrama e mestre em política comparada, ela iniciou a fala com uma breve apresentação da publicação, que atualmente tem edições semestrais e com o tempo se ampliou para uma plataforma editorial que realiza também ações como debates, micro-experimentos urbanísticos, oficinas, campanhas e publicação de livros. “A revista começou em 2010 com o objetivo de ser uma plataforma para debater o espaço público. Hoje, defendemos que os temas abordados são diversos, podem ser definidos como questões urgentes”, resume ela.

Publicada em janeiro de 2015, a sétima edição da revista gira em torno do tema “Passeio” e aborda a condição de “pedestres e ciclistas, as calçadas e a falta delas, o caminhar e o errar, o tempo não produtivo nas cidades, o turismo e a relação com o outro nas ruas”. Entre os 16 textos presentes na publicação, “Devagar: Crianças”, escrito pela própria Fernanda, dedica especial atenção à presença infantil no espaço urbano e reflete de que maneira as crianças podem se apropriar da cidade e, principalmente, como as cidades podem ser menos opressivas para elas.

“Para pensar a cidade à altura das crianças, eu faço um convite bem literal mesmo, que é o de tentar nos imaginar com uma altura entre 95 e 120 cm. Esse é um exercício feito por planejadores urbanos justamente para atingir a perspectiva da criança, completamente esquecida durante muito tempo. Quando a gente se ajoelha e começa a olhar a cidade que nos rodeia, apesar de vermos as mesmas coisas, fica evidente a hostilidade do espaço urbano”, comenta.

Crianças nas calçadas

Segundo a convidada, o fato de muitas crianças não viverem os espaços públicos de forma natural e espontânea acabam refletindo na maneira como vivenciam os processos proporcionados pela cidade. Ao se locomoverem principalmente usando veículos motorizados, como carros e ônibus, por exemplo, muitas crianças embarcam em um cotidiano no qual a cidade se torna estrangeira. “Algumas pesquisas mostram que a produtividade escolar de crianças que vão a pé ou de bicicleta para a escola é maior. Além disso, é possível perceber que o carro é o grande inimigo das crianças dentro das cidades”, diz Fernanda, citando o atropelamento como uma das principais causas de morte infantil nas cidades urbanas.

A velocidade média dos carros no perímetro urbano é apontada, então, como um fator decisivo para garantir a fluidez do trânsito e a segurança dos pedestres. Essa questão, segundo a pesquisadora, é crucial para garantir a presença das crianças em ruas e calçadas. “As experiências de velocidade máxima a 30 km/h que temos em Belo Horizonte ainda são insipientes e precárias. Uma política não se faz somente com placas de sinalização, é necessária também uma campanha de conscientização que leve em conta o entendimento da população”, explica.

Pensando nisso, a Piseagrama lançou, em 2012, durante o evento Noite Branca, realizado no Parque Municipal de Belo Horizonte, uma campanha baseada em cinco frases: “Ônibus sem catraca”, “Carros fora do centro”, “Parques abertos 24h”, “Uma praça por bairro” e “Nadar e pescar no Arrudas”. Segundo Fernanda Regaldo, apesar dos cartazes, bolsas, adesivos e lambe-lambes terem nascido como uma resposta a peças de propaganda política que periodicamente poluem a cidade em anos de eleição, as demandas levantadas certamente também atendem as crianças.

“Essas frases trazem uma proposta sem rosto, sem número e que pode ser adotada por qualquer pessoa. Trata-se de uma utopia possível e realizável. Além disso, para o universo infantil, todas elas fazem muito sentido, porque possibilitam a vida das crianças nas cidades. Apesar de serem demandas simples, a gente observa que depois de quase 10 anos, a campanha está aí e muitas coisas ainda não mudaram”.