Troca é uma palavra que quase sempre pode definir o que acontece no cotidiano do Programa CCBB Educativo – Arte & Educação. Entre públicos e educadores, entre obras e públicos, entre educadores e obras. Ao longo de 2019, entretanto, no CCBB SP a grafia da palavra troca por vezes foi um pouco diferente. Entre nós, muitas vezes escrevemos trOCA: nome dado à parceria entre o programa educativo e a OCA Escola Cultural – com muita ênfase em OCA, nome de uma escola que há mais de 20 anos pratica a educação a partir de manifestações culturais brasileiras.

Por todo o segundo semestre de 2019, os educadores do CCBB SP, principalmente os integrantes do Grupo de Trabalho Outros Saberes, atuaram em conjunto com a OCA Escola Cultural, realizando visitas compartilhadas ao centro cultural e seus arredores, assim como à escola, localizada na Aldeia Jesuítica de Carapicuíba. Ao longo dessa parceria, foram muitas as trocas sobre culturas tradicionais afro-brasileiras e indígenas, assim como sobre questões de patrimônio material e imaterial, ressaltando-se o fato de serem ambos os espaços tombados pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

Ao final do primeiro ciclo de contato entre OCA e o CCBB SP, a tradição popular do Cavalo Marinho, patrimônio imaterial brasileiro característico da Zona da Mata de Pernambuco, veio sambar na rua da Quitanda, em pleno centro de São Paulo, num fim de tarde de sexta-feira.

A brincadeira

O Cavalo Marinho é ensinado por mestres e brincantes da cultura popular que, seja por meio da palavra ou do corpo, transmitem e constroem as tradicionais sambadas de Cavalo Marinho. Criada em uma das primeiras regiões do continente invadidas por navegadores europeus, a brincadeira traz à luz diversos aspectos da sociedade colonial, durante muitas décadas calcada na exploração canavieira da região. A partir da brincadeira, é possível perceber algumas representações sociais sobre a vida na região durante aquele período. As figuras (personagens) são arquétipos da constituição social da sociedade canavieira. Por exemplo, o soldado, o negro fugido, o varredor de ruas, a velha, o capitão donatário de terras, assim como alguns animais presentes na região como a onça, o boi, o cavalo, a ema entre outros.

Diversas linguagens e elementos artísticos constituem a brincadeira. A música é tocada pelo “banco”, grupo de instrumentistas que regem toda a sambada tendo em mãos rabeca, pandeiro, bage e mineiro. As artes visuais se materializam nas indumentárias, e a dança, na “galantaria”, um grupo que executa diferentes trupés – os passos dançados ao longo da brincadeira. A brincadeira conta ainda com elementos da teatralidade, vindo à tona nos personagens que entram e saem da roda durante a brincadeira. Chamados de “figuras”, tais personagens, quando convocados, vêm sempre mascarados, cantando toadas e dançando trupés característicos.

“Até a barra do dia”

Sentindo-se já em casa, xs alunxs da OCA ocuparam o mezanino do CCBB SP e fizeram do espaço o seu camarim. Começaram a montar-se, então, com roupas brancas, chapéus e máscaras. Toda a indumentária do Cavalo Marinho foi ali tomando corpo.

Sentindo-se tão de casa que até a rua da Quitanda transformou-se em camarim. Por trás da estrutura pré-montada pela produção para abrigar a brincadeira, estenderam-se tecidos que, em meio a amarrações com barbante, formaram a “toda”, uma espécie de tenda que tradicionalmente abriga a troca de roupa e de máscaras que dão forma às várias figuras que atravessam a encenação.

Desde as suas origens, a brincadeira começa no entardecer e vai “até a barra do dia”.Na rua da Quitanda, a brincadeira durou aproximadamente três horas. Entre muita dança, poesia, cantoria e alegria, o patrimônio material constituído pelo centro histórico de São Paulo e o prédio do CCBB SP encontra outro patrimônio, imaterial, constituído pelo Cavalo Marinho. Assim como a Aldeia Jesuítica de Carapicuíba em que se situa a OCA, também a festiva tradição de origem pernambucana traz histórias e reflexões sobre a formação social do Brasil, muitas vezes apagadas e distorcidas pelos modos como se define e escolhe o que é patrimônio histórico nacional.