Na edição virtual do Múltiplo Ancestral lançado no dia 27 de março de 2021, o Programa CCBB Educativo – Arte & Educação recebeu o projeto Pretinhas Leitoras, que nos apresentou à pluralidade da infância na literatura negra, a partir de uma narrativa que nos aproxima de saberes ancestrais.
Pretinhas Leitoras é um projeto literário criado pelas irmãs gêmeas Helena e Eduarda Ferreira e supervisionado pela pedagoga Elen Ferreira, mãe das leitoras. O projeto tem como importante objetivo dinamizar a literatura, pautando a importância da construção coletiva da diversidade das infâncias e defendendo um letramento racial que tem por base a educação antirracista.
A Rapunzel de MC Soffia
Ao ver e ouvir as irmãs lerem o livro “Betina”, me veio logo à lembrança a música “Minha Rapunzel tem Dread”, da jovem rapper, cantora e compositora MC Soffia. Nascida em São Paulo, Soffia também é uma menina negra – e quando a música foi gravada, a rapper estava no início de sua adolescência, assim como Eduarda e Helena.
O livro e a música trazem como temática os cabelos de meninas negras e suscitam questões de identidade e empoderamento. Na música, MC Soffia cria uma princesa com características identitárias parecidas com as suas, pois a clássica história infantil que ressalta os longos cabelos da protagonista não reflete a imagem de muitas meninas negras como ela. A jovem canta:“Na minha história a Rapunzel tem dread. Ela é negra e é Rastafari” , “Essa história eu inventei porque não vi princesa assim”, “Crie uma princesa que pareça com você”.
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As tranças de Betina
Já no livro “Betina”, publicado pela Editora Mazza, escrito por Nilma Lino Gomes e ilustrado por Denise Nascimento, não é mais preciso reconstruir os fenótipos da protagonista: Betina é uma menina negra que tem seus cabelos crespos trançados pela avó.
A narrativa compartilhada ao longo da leitura foca no ato de trançar como um ato afetivo que possibilita relações intergeracionais repletas de trocas e aprendizados. Enquanto os cabelos são trançados, avó e neta cantam e riem juntas. Betina ouve atentamente as histórias que sua avó conta sobre ancestrais nascidos em terras brasileiras e também em terras africanas.
No passar das páginas o tempo literário avança, e com ele as jornadas das personagens. Betina, já adulta, ministrando uma palestra sobre tranças em uma escola, se emociona ao lembrar de como sua trajetória foi trançada com a contribuição de sua avó e de todas as suas ancestrais.
No decorrer da palestra, a personagem se lembra do dia em que a avó havia prometido um presente: ensinar a trançar cabelos, compartilharia com ela saberes ancestrais das mulheres da família. Betina conta ter feito desse aprendizado amoroso a sua profissão, com a qual passou a ser reconhecida dentro e fora do Brasil. E ao partilhar esse conhecimento, presta uma homenagem à própria avó, que já havia partido ao encontro de seus ancestrais.
Memórias de netas e avós
Ao terminarem a leitura, Eduarda e Helena narraram, emocionadas, algumas lembranças de situações em que suas avós, Eva e Fatinha, fizeram lindas tranças e penteados em seus cabelos. Helena trouxe também uma expressão bastante repetida pela avó Fatinha: mesmo que as netas cresçam, elas sempre vão caber em seu colo.
As lembranças afetivas trazidas no final da leitura ilustram o quão importante é, sobretudo para as crianças negras, se reconhecerem em narrativas literárias, assim como em outros produtos culturais.
A partir de uma produção mais diversa e também de estímulos à distribuição dessa produção, outras crianças poderão se ver refletidas em personagens como Betina e também a Rapunzel de dreads criada pela MC Soffia. E que as crianças pretinhas leitoras – e leitores – possam sempre caber nos colos de narrativas que as representem.