“Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!”

Livres, como no conhecido poema de Mário Quintana: foi assim que nos deixou o artista Leo Ladeira, flutuando nas possibilidades do brincar depois de uma semana inteira de trocas. Convidado a integrar a programação especial de férias do Programa CCBB Educativo –Arte & Educação, o artista nos ensinou a transformar CDs em peões-artistas que pintam o chão ao girar, assim como converter rolos de papel em trombetas. A partir da convivência com o convidado, nos lembramos de que o território do brincar exige uma entrega que nos desvincula da normalidade, já que, em terreiro de brincadeira, não existe acertar nem tampouco errar. Brincar, para ele, é se inventar a partir do que não existe, e o ponto de partida é sempre a liberdade.

Ator, manipulador de bonecos e palhaço, Leo Ladeira deu início à atividade antes mesmo da ativação do público, quando pegou uma caixa de giz e começou a desenhar e colorir o chão com traçados de amarelinha, caracol e outros jogos que deixaram marcas de pó colorido nos pés descalços das crianças, ao mesmo tempo em que sacudiram o pó que se acumulava sobre memórias e infâncias que pareciam distantes até pulsar a vontade de brincar. 

Aliás, o simples movimento do corpo do artista pelo espaço externo do CCBB DF já serviu como estímulo para que o público se reunisse em frente à sala do CCBB Educativo. Ali mesmo, Leo Ladeira propôs uma conversa sobre a importância de resgatar o hábito de brincar, que entre as crianças de hoje em dia vem, muitas vezes, sendo substituído pela interação com aparelhos digitais ou ainda por sucessivas tarefas e responsabilidades que nos automatizam desde muito cedo, no caminhar para a vida adulta.

O convidado também compartilhou conosco um pouco de sua trajetória como brincante, promovendo uma reflexão sobre a ancestralidade do ato de brincar, uma vez que nos convida a reproduzir experiências herdadas e jeitos de brincar inventados há muito tempo entre pais, mães, filhos e filhas, assim como entre irmãos, primos, amigos e até mesmo desconhecidos.

Corpos em ação

Mais adiante, fomos convidados a darmos a mãos numa grande roda que se movia da esquerda para a direita e de frente para trás, ativando os corpos dos participantes da atividade. Ao pararmos, houve uma troca de olhares e teve início o canto de “Não atire o pau no gato”, repetido até que alguns cantassem a versão mais conhecida – e não recomendada  – da canção. 

Na sequência, Leo iniciou outra brincadeira, em Brasília conhecida como “Babalu”, e cantamos: “Estados Unidos balança o seu vestido / Pra frente, pra trás, assim já é demais / De um lado, pro outro assim é muito pouco / Doli, doli, doli doli dolá / Quem ficar com a perna aberta vai ter que rebolar”. Ao final, todos os que pararam com as pernas abertas durante a música terminaram, de fato, rebolando no centro da roda.

Entre os participantes da atividade, estava Gabriel, um menino de cerca de 10 anos de idade, cego e assíduo frequentador das sessões de Lugar de Criação. Durante a coreografia, ele foi (re)descobrindo como brincar e executar os comandos da canção sem se distrair com as gargalhadas surgidas a todo momento. Ainda em roda, nos sentamos no chão para a próxima brincadeira: uma sessão de “Corre Cotia”.

Caindo de paraquedas

Além de brincadeiras conhecidas, nas quais os corpos dos participantes eram seus principais instrumentos de ação, Leo trouxe consigo um objeto bastante inusitado: um paraquedas gigante que preencheu o centro da roda em que estávamos, alimentando a curiosidade do público para entender qual seria o destino dessa brincadeira. Aos poucos fomos entendendo que se tratava de uma dinâmica em equipe, e que o desafio era encontrar a sintonia para que levantássemos todos, ao mesmo tempo, as margens do grande tecido circular que nos transformou, por alguns instantes, em um espécie de grande cogumelo.

Algumas crianças, no entanto, logo correram para baixo do grande balão de ar que se formou com o paraquedas, e foi aí que Leo iniciou uma uma nova proposta, que valorizava a escuta. A nova brincadeira convidava pequenos grupos a entrar embaixo do paraquedas, a partir de critérios aleatórios como: quem está de meias, quem tem óculos redondos, quem usa saias, entre outros. 

Recuperamos ainda outras brincadeiras que atravessam as múltiplas gerações que estavam presentes, como pular corda e também andar sobre as pernas de pau. Essa entrega do grupo e de suas múltiplas infâncias promoveu um momento horizontal de folia, materializando a famosa frase do escritor Oliver Wendell Holmes: “Nós não paramos de brincar porque envelhecemos, mas envelhecemos porque paramos de brincar”. Com seu amplo repertório de práticas acumuladas ao longo de muitos anos de experiência, Leo Ladeira nos colocou novamente nesse território onde a idade não importa, mas, sim, a diversão genuína que da brincadeira nasce.