“O futuro é ancestral!”, convoca em múltiplas vozes o ativismo indígena contemporâneo. Oriunda do povo mapuche, a cantora Brisa Flow une sua voz ao coro dessa mensagem, fazendo música de vanguarda em franco diálogo com a cultura hiphop. Ao atuar como MC, a artista traz sua perspectiva ameríndia e periférica para batalhas de rap realizadas em Belo Horizonte e em muitas outras partes do país.

Em sua produção autoral, ganha destaque o videoclipe de “Fique Viva”, gravado na aldeia de Tekoa Yvy Porã, em São Paulo. A música é uma das faixas de “Selvagem como o Vento”, segundo álbum solo de Brisa Flow – artista cujo nome de registro é Brisa de la Cordillera. Lançada em dezembro de 2018, a obra nos convida a refletir sobre a sobrevivência da mulher indígena urbana.

Também arte educadora, Brisa reivindica essas ferramentas, a música e a educação, contra o epistemicídio do povo indígena, de suas matrizes culturais e seus modos de ser, estar e pensar o mundo. Convidada a conduzir a edição de julho de 2021 do Múltiplo Ancestral, a artista nos apresenta a performance “Corpo é Terra, Canto Para Tecer Memórias”.

Corpo é terra

Nesta performance, a artista conecta elementos da música indígena contemporânea a antigas narrativas dos povos indígenas de Abya Yala – expressão que tem origem entre o povo Kuna, grupo originário da Colômbia que hoje vive na costa caribenha do Panamá. Remetendo ao sentido de “terra viva” ou “terra em florescimento”, essa mesma expressão vem sendo usada para denominar o território que, desde a colonização, aprendemos a chamar de América.

Segundo divulgação da artista, nessa ação Brisa Flow canta sobre o tempo circular, “el bailar del Kultrun”, sendo esse um importante instrumento de percussão ancestral mapuche que representa o movimento do tempo. No vídeo, ela canta e dança nas proximidades de uma cachoeira, e enquanto isso a água corre com força e vitalidade, atuando como um símbolo sagrado dos fluxos da vida. Em seguida, seu canto conduz uma transição desde os sons da natureza até uma batida eletrônica e urbana, ao mesmo tempo em que imagens da artista em paisagens naturais recebem interferências de estética digital.

Brisa defende a dança como uma partitura para elementos naturais, a exemplo do corpo e do rio. É no movimento e nos ritmos da natureza, portanto, que ela busca vestígios de saberes originários para compor música. No vídeo “Corpo é Terra, Canto Para Tecer Memórias”, a artista parece evocar os rios que atravessam Abya Yala, ligando os oceanos Atlântico e Pacífico.

Água transmutando a mágoa

Ao longo da obra, a água também é vista como quebra e possibilidade de cura para a vida cercada de concreto nas grandes cidades. Essa pesquisa é feita de maneira intuitiva, e seu objetivo é recuperar as melodias sagradas da terra: segundo a própria artista, sua capacidade de cantar seria uma herança de Pachamama, a “mãe-terra” para os povos andinos. Em seus trabalhos, Brisa faz uma arqueologia de si mesma, desdobrando uma descoberta identitária em um processo criativo.

Acompanhando as batidas e os sons de sua voz, nossos olhos encontram também imagens do mar, metáfora do rio que deságua para novas possibilidades de futuro. Tendo como objetivo a reinvenção da vida, Brisa nos convida a revisitar as memórias de uma América anterior às invasões europeias.

Para Brisa Flow, a arte representa um mecanismo poderoso de transformação e superação de uma perspectiva linear do tempo, proporcionando a cada um de nós uma ligação entre a imaginação de um novo mundo e nossas potências ainda submersas.