Em comemoração à Semana de Luta da Pessoa com Deficiência, o Múltiplo Ancestral de setembro de 2019 ativou o andar térreo do CCBB RJ. Em parceria com o dançarino Lucas Lima, a atividade buscou desengessar os corpos de seus participantes, tornando-os instrumentos conscientes de comunicação e estreitando o contato com a cultura surda no mês em que ela é celebrada.

Encarada como uma oficina “express” de experimentação em dança livre, a ação propôs mesclar as noções de performance e Libras, usando alguns de seus sinais como possíveis elementos coreográficos, podendo ainda ser modificados por cada participante – ou intérprete.

Os sinais escolhidos e ensinados aos participantes, aliás, representavam bem aquela semana em especial. Selecionados de modo que dessem margem a assinaturas individuais no momento de atuação, serviram como ponto de partida à atividade os sinais referentes às palavras “festa”, “performance”, “Brasil” e “abraço”. Quatro palavras, quatro sinais e muitas formas de traduzi-las com o corpo. Para vivenciar a experiência, no entanto, era preciso deixar junto aos sapatos um pouco da vergonha – e, então, subir ao palco.

Quer dançar?

Inicialmente tímido e curioso, o público começou a se aglomerar como plateia na expectativa de descobrir o que aconteceria ali. Os mais habituados ao espaço do CCBB RJ e suas ações educativas, principalmente aqueles acompanhados de crianças, se aproximavam dos educadores com algumas dúvidas. “O que vai acontecer hoje?”. “É pra criança?”. Em linhas gerais, as respostas eram quase sempre as mesmas, sugerindo aos integrantes do público observar e experimentar e ressaltando que a atividade era acessível a todas as idades.

Em cima do palco, enquanto se alongava, Lucas distribuía seu convite às pessoas que se reuniam no térreo do edifício. “Vem, é só tirar o sapato. Pode subir! Quer dançar?”. Nenhum dos convites, entretanto, era feito por meio da fala. Atraindo as pessoas pelo carisma, ele então começava a aquecer seu corpo a partir de sinais quase sempre respondidos pelo público com outros gestos e expressões.

Adultos, jovens e crianças pequenas formavam o primeiro grupo. De início, parecia imprescindível enfatizar aquela ação como um espaço de visibilidade para a Semana de Luta da Pessoa com Deficiência. No decorrer das sessões, entretanto, chamar atenção para a razão inicial da celebração acabou tornando-se uma motivação secundária.

Pouco a pouco, os integrantes do público se mostravam cada vez mais independentes dos intérpretes para solucionar a barreira da língua, e a performance, que trazia as características de cada participante, rapidamente tornou-se um ato coletivo, tendo em vista a disponibilidade do público presente.

Baixo-Zabumba-Vibração

Como num estalo coletivo, muitos participantes da ação se questionavam como era possível aquele rapaz ser dançarino. “Como ele percebe as músicas?”, se perguntavam. Enquanto isso, a cada encerramento de música, o pedido do convidado era para que os participantes tocassem o chão.

Nesse movimento de descer o corpo e posicionar as mãos sobre o tablado, entretanto, o público acabou se surpreendendo com a possibilidade de sentir no piso a vibração dos ritmos do samba e do funk. Somente então puderam ver que também o convidado Lucas Lima era capaz de sentir tal vibração e, a partir dela, realizar passos e coreografias de acordo com o ritmo tocado.

Encerrada com um conversa mais próxima e desinibida entre o convidado e o público, a atividade chegou ao fim quando as pessoas visivelmente já se sentiam mais à vontade com os próprios corpos e a natureza descontraída da ação realizada. Conforme geralmente acontece em ações educativas que envolvem Libras, a curiosidade se manifestou, ao final, em muitos e muitas das participantes. Mostrando-se interessados em aprender alguns sinais, alguns integrantes do público conseguiram usar gestos para agradecer ao convidado pela experiência – algo que pode ser encarado como um significativo bônus para a atividade.

Essa edição do Múltiplo Ancestral deixou ainda mais evidente a importância de se promover e discutir questões de acessibilidade, sejam elas físicas ou atitudinais. E ainda reiterou, a partir da experiência vivida, que estabelecer um espaço confortável para essas trocas e discussões corresponde a uma estratégia fundamental e pertinente aos ambientes de museus e centros culturais.