Todos são iguais perante a folia, e os maiores cuidam dos menores. A ordem é permear as fronteiras entre a realidade e a fantasia, assim como encher de festa o espírito, a coletividade e o lugar. Esse foi o clima do cortejo que se iniciou ao cair da tarde de um domingo de fevereiro, regido pelo grupo carnavalesco Cordão do Vai Quem Fica, convidado para conduzir, no início de 2020, mais uma atividade da plataforma Múltiplo Ancestral, no CCBB DF.

O Cordão do Vai Quem Fica atua em Brasília desde 2013, e já em seus primeiros cortejos, registrados em vídeos e publicados na internet, é notória a quantidade de crianças de todas as idades entre os foliões. Essa característica fez com que o grupo ficasse conhecido como um bloco de Carnaval oportuno não somente para a presença de pequenas e pequenos, mas principalmente como uma experiência de dissolução das diferenças entre crianças e adultos, fazendo com que a festa do carnaval seja, acima de tudo, uma experiência de liberdade e inclusão.

Com sua fanfarra, o bloco, composto por homens e mulheres de igual talento e entusiasmo, trouxe um repertório que privilegiou marchinhas clássicas do Carnaval brasileiro. Por essas e outras, a experiência deste Múltiplo Ancestral ficou marcada como um chamamento para que a coletividade, em sua ampla diversidade, celebrasse a festa popular e a ocupação do espaço. Dando forma a essa celebração, as linguagens manifestadas foram sobretudo a música e o brincar, presente também nas surpreendentes e divertidas fantasias daqueles que integravam e acompanhavam o bloco. A partir da combinação entre essas linguagens, as crianças presentes no encontro puderam experimentar um ambiente de liberdade e respeito.

A vibração da alegria

Mas como, afinal, o brincar pode ser educativo, trazer experiências sociais sobre a diversidade e ao mesmo tempo nos enredar na trama dos saberes populares? Festa de histórias longínquas e significados múltiplos, o Carnaval é uma vivência em que encontramos o brincar e a ele podemos nos entregar, pausando as narrativas cotidianas, a fim de que nossos corpos aprendam e absorvam saberes e sentimentos que atravessaram os tempos. No Carnaval, é a partir desses encontros essenciais com o presente e o passado que se constitui a base para a manifestação da alegria. E a alegria, além de um importante sentimento, pode e deve ser entendida como um ato político.

A alegria do Carnaval, que no cortejo do Vai Quem Fica se mostrou fortemente contagiante, revelou-se ainda, para um público numeroso, como uma vibração que reverberou tanto dos instrumentos quanto dos próprios integrantes do bloco. A energia que vem dos muitos e diversos corpos que sentiram essa alegria foi, a partir dos instrumentos musicais, potencializada e disseminada.

As crianças, como de costume, foram as que mais vibraram ao longo do encontro ativando em si e nos demais o poder da alegria como verdade da imaginação e da fantasia. Não houve, no cortejo, melhores mestres desses saberes que, no Carnaval, se manifestam como práticas de subjetividades, encontros entre passado e presente, ressignificações e mesmo revoluções, ainda que numa dimensão micropolítica. Brincar é um saber que o adulto se esquece que sabe.

Todos são iguais perante a folia, e os menores ensinaram, aos que seguiram o Cordão do Vai Quem Fica, como vibrar o próprio corpo diante da alegria que se irradia de uma fanfarra. Embaladas por essa vibração coletiva, outras lições também ficaram: a alegria como prática da liberdade, o brincar como resgate e revolução, a fantasia como ocupação poética e política do espaço e, principalmente, a celebração da diversidade e do encontro.