O que você conhece sobre musicoterapia? Já ouviu falar sobre um instrumento musical chamado didgeridoo? Para desdobrar essas e outras perguntas, a proposta do Múltiplo Ancestral realizado em agosto de 2019, no CCBB SP, trouxe o músico e terapeuta Paulo Jesus, que há cerca de 12 anos pesquisa os sons e as vibrações na musicoterapia, tendo ainda desenvolvido uma série de trabalhos voltados à produção de trilhas sonoras para meditação e dança. Ao longo do encontro, o músico convidou o público a conhecer e conviver com o didgeridoo, instrumento de sopro de origem australiana e ainda pouco conhecido em território brasileiro. Paulo foi bastante breve em suas falas, em geral atravessadas pela própria pesquisa e a história do instrumento, dedicando a maior parte do encontro à vivência com o didgeridoo, seus múltiplos sons, ritmos e energias.

O Concerto de Didgeridoo se deu no saguão do CCBB SP, e isso possibilitou uma ampla reverberação do som no ambiente, o que chamava bastante atenção de quem passava pelo espaço durante a apresentação. A todo momento, era possível perceber olhares muito curiosos para o instrumento e para o artista-terapeuta que o tocava. Além disso, o som parecia gerar uma espécie de encantamento coletivo, e o modo como suas vibrações preenchiam todo o prédio fez com que cada vez mais gente chegasse para acompanhar e participar da atividade.

Inicialmente, o público se aproximava da apresentação com um olhar bastante curioso e, aos poucos, pudemos entender que essa curiosidade se dava pela pouca familiaridade que muitos disseram ter com o instrumento. Isso contribuiu para que os participantes mantivessem seus olhares e ouvidos atentos ao que acontecia e, quando Paulo fez um intervalo no concerto, propondo uma conversa com os presentes, muitos questionamentos foram logo levantados. Qual a origem e o valor do instrumento? Onde é possível encontrá-lo para comprar? De que forma o didgeridoo é usado em terapias?

Outras perguntas trazidas pelo público referiam-se ainda à técnica necessária para tocar o instrumento. Como seus sons são criados? Existe uma forma correta de tocar? Diante desses questionamentos, Paulo Jesus optou por responder de forma prática, oferecendo o instrumento para aos integrantes do público, ao mesmo tempo em que trazia informações sobre a origem do didgeridoo, o material de que é feito e também sobre a importância da respiração para alcançar a continuidade do som.

Respiração circular

Como, afinal, seria possível que um instrumento de sopro com efeito sonoro tão forte fosse tocado de forma tão constante? A esse respeito, Paulo nos explicou sobre uma estratégia de respiração que faz com que não falte ar para quem está tocando o instrumento. Conhecida como respiração circular, essa técnica trabalha a inspiração pelo nariz e a expiração pela boca, em um movimento constante. Uma grande parte do público associou o instrumento ao toque do berrante, entendendo que os dois requerem técnicas parecidas. A partir dessa associação, os participantes começaram a compreender melhor e mais efetivamente o funcionamento do instrumento que acabavam de conhecer.

Paulo nos apresentou ainda a dois modelos do mesmo instrumento: um em vidro, com formato canular, e outro, feito a partir do tronco de mandacarú, que lembrava uma forma triangular. Por meio dessa comparação, o convidado nos mostrou que a materialidade e o formato do instrumento também influenciam em sua sonoridade – o didgeridoo feito de vidro, por exemplo, tinha um som muito mais agudo do que o produzido pelo instrumento de madeira.

Partimos, então, para o segundo momento da atividade, no qual Paulo Jesus propôs que o público fechasse os olhos e se concentrasse na escuta, em uma demonstração de como, geralmente, o instrumento é utilizado em terapias alternativas. Tendo todos ainda de olhos fechados, Paulo caminha entre o público. Ele para por alguns instantes diante de cada pessoa, direcionando o som que sai do instrumento e fazendo com que, além do som, a vibração do didgeridoo tenha contato com o corpo de cada um. A essa altura, o clima provocado pelo instrumento parecia tão confortável que algumas pessoas se colocavam em meditação, imergindo na proposta e aproximando-a, em certo sentido, de uma sessão de terapia.

Nos momentos finais da atividade, um dos participantes revelou trazer uma flauta na bolsa e começou a tocá-la de forma espontânea, em sincronia com a melodia compartilhada pelo convidado. Assim como nos lembra a lenda australiana, a energia de presença que o instrumento estimula ficou bastante evidente naquele momento, à medida em que, pouco a pouco, as pessoas se retiravam do saguão.

Um instrumento de presença

Alguns historiadores apontam o didgeridoo como um instrumento criado há cerca de 1.500 anos, tendo sua origem nos povos aborígenes ao norte da Austrália. Uma lenda daquele continente conta que o instrumento surge quando um grupo de aborígenes se reúne em volta de uma fogueira para apreciá-la. Naquela época, ainda não existia a música e, como não era possível enxergar as estrelas, tais povos não compreendiam a grandeza do universo e a pequeneza de toda a gente aqui na Terra.

Depois de um tempo em volta da fogueira, o mais sensível entre aqueles que estavam sentados percebe que, de um dos troncos postos no fogo, saíam alguns insetos. Para que os insetos não queimassem junto à madeira, ele se levanta e retira o tronco da fogueira. Ao perceber que o tronco era oco, ele sopra a ponta do tronco para o alto. Os insetos, então, saem dali e formam as estrelas, e o som daquele recém criado instrumento passa a ecoar por toda a noite.

Não por acaso, já há algum tempo, o didgeridoo se tornou um instrumento também utilizado em terapias alternativas, pois seu som forte nos conecta com a terra, sua vibração tem potências de limpeza, e muitos fazem do ato de tocá-lo um ato de meditação. Como pudemos perceber durante a atividade, a entrega na hora de tocá-lo é imprescindível. O instrumento evoca uma presença que vai além do físico: é necessário, de fato, ter corpo e mente presentes, pois, para além das questões que envolvem a respiração circular, que já demanda grande atenção, é também necessário ter concentração, como acontece nos processos meditativos. Conforme nos lembra Paulo Jesus, o instrumento atua como um potencializador de sons e vibrações, ampliando o que é entregue por quem o toca.