Para quais memórias uma música pode nos levar? É possível registrar essas lembranças? Entre melodias e lembranças, como nosso corpo registra os ritmos que atravessam nossos ouvidos? Na edição de maio de 2021, o Múltiplo Ancestral recebeu o grupo Cuidado que Mancha para nos apresentar uma paisagem sonora – e visual – repleta de música e poesia.

Sem que houvesse qualquer conversa prévia entre o grupo, as atrizes Raquel Grabauska e Vika Schabbach interpretam uma provocação sonora do músico Gustavo Finkler, acrescentando-lhe novas camadas poéticas e trazendo, de certa maneira, uma paisagem visual à composição musical.

Ao longo do vídeo, que mais se assemelha a uma colcha de retalhos, podemos observar diferentes narrativas encenadas pelas atrizes, guiadas pela sonoridade da composição. Ali, a música é uma agulha que permeia as diferentes camadas da história e acentua a força da musicalidade ao despertar em nós lembranças, memórias e sensações.

O passar do tempo pelos olhos da poesia

Em um determinado momento do vídeo, por exemplo, podemos escutar a frase:“Era bom que todos tivessem um tomate nascendo para olhar”, nos convidando a perceber nos pequenos gestos da natureza a passagem fugaz do tempo a partir de uma atenção muito especial aos acontecimentos do nosso entorno. Se a melodia de Gustavo é guia para as narrativas das atrizes, que ora se entrelaçam, ora se distanciam, a rede de balanço é o objeto poético que costura as divagações, as pausas e os respiros das lembranças. Num constante vai e vem, podemos observar a passagem do tempo a partir dos relatos do dia a dia das atrizes e do desembolar dos dedos no violão.

A percepção minuciosa do tempo e da paisagem do entorno, seria, por assim dizer, uma forma de adentrar à melodia? Ou seria a própria melodia a propulsora do acesso às miudezas do cotidiano? A partir de uma proposta de costura sonora e visual, somos convidados a viajar no tempo e lembrar de como nossas lembranças são temperadas e aguçadas com uma pitada de melodia.