Uma mesa-língua de oito metros que saiu de dentro do CCBB SP, se projetou largamente até a calçada, coberta por alimentos cultivados de maneira complexa e em ambientes de rica biodiversidade, onde o método de cultivo não apenas produz comida, mas regenera a terra. Uma homenagem ao reino vegetal. Conversamos e degustamos ideias para um educativo que se organiza em torno de uma perspectiva metabólica, seja enquanto metáfora de elaboração de conceitos e vivências, seja a partir da própria comida, compartilhada com o público interessado. 

A seleção criteriosa desses alimentos foi feita por Jonas Van a partir do Instituto Chão. Tudo orgânico e sazonal. Esses alimentos-mediadores, carregados de complexidade (em oposição aos hipersimplificados da monocultura), foram oferecidos aos presentes e passantes, convidados a comerem e lerem essa informação a partir de suas próprias vísceras. Sim, nossos intestinos também são órgãos de leitura e os educadores presentes ajudaram na condução do processo, operando como enzimas digestivas. 

como nossos hábitos, o que comemos 
também molda a paisagem em que vivemos

A nossa espécie se desenvolveu na floresta. Descendentes de primatas que viviam predominantemente nas copas das árvores, descemos para nos assentarmos em terreno sólido, particularmente na borda da floresta, onde se originaram a maioria das plantas que hoje ainda consideramos boas para comer. Nosso ambiente ideal, o ambiente em que evoluímos como espécie, é um ambiente arborizado e folhoso. Seu aroma é de húmus e fungos, ervas aromáticas e flores. É verde. Profundo, verde profundo. Neste ambiente, vivíamos de forma sustentável, proliferando culturas ricas e diversas por centenas de milhares de anos. Era um ambiente no qual presentes fluíam da Terra para o nosso sustendo. Escassez, conceitualmente e como uma realidade física recorrente, apareceu à medida que nos desviamos do nosso ambiente ideal.

Não há um lugar que não tenhamos sujado  –  seja a partir da visível depredação da terra pela mineração, seja pelo desmatamento e pela construção de cidades ou pela poluição invisível da atmosfera e dos oceanos. A civilização causou o sexto grande evento de extinção na história da Terra. E a agropecuária moderna é a atividade humana que mais impacta e transforma o planeta, ao comprometer a biodiversidade, compactar o solo, poluir rios e desmatar florestas.

Das mais de 25.000 espécies de plantas comestíveis no planeta, apenas 5 compõe 70% da nossa alimentação. Em nossa sociedade, o alimento tem sido entendido como mais uma mercadoria, o que faz com que a nossa relação com a comida seja uma relação com a indústria alimentar. A condição de produto muitas vezes ofusca a multidimensionalidade do alimento e assim deixamos de prestar atenção na forma como foi produzido, na sua história e na sua complexidade, para reduzi-lo ao seu sabor, sua textura, sua embalagem e o prazer que confere às nossas papilas gustativas. Comemos desligados da relação que o alimento tem com o impacto ambiental, e ignoramos a interdependência de todas as relações.

Entretanto, é pós, e não pré-agricultura o que propomos. Como Paul Shepard declarou “Não é necessário voltar no tempo para ser o tipo de criatura que você é. Os genes do passado vieram até nós.” Não falamos de um retorno a um passado primitivo, mas uma resposta às crises contemporâneas, sociais e ecológicas. Da maneira como conduzimos as coisas até hoje, todos os ecossistemas do planeta podem ser considerados novos ecossistemas, e não utilizar todas essas novas informações, técnicas e espécies disponíveis para nós em razão de um ideal de pureza primordial ou nativismo, seria perigosamente ingênuo. A tarefa é harmonizar os nossos modos de viver, as nossas sociedades, a nossa cultura com a nossa herança genética. Certamente é uma tarefa preferível e mais fácil de atingir que o oposto.

Para atender às nossas necessidades materiais e regenerar terras selvagens, não vai ser simplesmente uma questão de desistir da agricultura e voltar aos velhos tempos, mas sim fazer uma transição para afastar-se deles. Jardins florestais são permacultura e já deixaram a agricultura para trás. Sua suficiência é devida, em parte, à diversidade de espécies e à uma imitação dos ecosistemas que ocorrem naturalmente. Um jardim floresta não precisa ser um espaço totalmente planejado e controlado. Pode se desenvolver organicamente dentro das tendências naturais da terra que aponta desejos próprios. O modo de vida que jardins florestais fornecem é seguro, saudável, cooperativo, construtivo e criativo. Imaginamos os jardins florestais como as casas dos novos bandos, lugares para reaprendermos as velhas maneiras de estarmos uns com os outros e em harmonia com o mundo mais do que humano. 

Isso pode ser realmente levado mais longe se adaptarmos nossas dietas agrícolas a dietas que se assemelham a de nossos antepassados pré-agrícolas, alimentando-nos de jardins florestais. Como em todo processo poético, não se trata de falar em nome de uma verdade, mas de sugerir uma outra perspectiva de mundo. Propomos reconhecer e resgatar a imensa biodiversidade que temos ao nosso dispor, e que não apenas beneficia a nossa saúde, mas a de todo o planeta. Nesse sentido, sugerimos encarar não a partir daquilo que foi subtraído, evitando as expressões sem carne, sem leite, mas a partir da abundância e regeneração da biodiversidade.

CRU – banquete do pré-brasil

Da mesma forma que Neka Menna Barreto, chef e nutricionista, colabora com projetos de Jorge, Jorge colabora com projetos de Neka, como foi em Banquete do Pré-Brasil, presente em CRU - Comida, Transformação e Arte, um evento multidisciplinar que propõe um olhar para a comida através da arte: artistas e chefs renomados de diversos perfis e nacionalidades foram convidados para criar performances, obras e atividades que de alguma forma se relacionam com o tema Alimentação. 

Fotografia, pintura, escultura, instalação, performances e vídeos de artistas de diversas nacionalidades ocuparam as galerias do CCBB DF três anos atrás. Além de Neka, Mark Dion, Airson Heráclito, Sophie Calle, Hector Zamora, Rochelle Costi, Sigalit Landau, Rikrit Tiravanija, foram alguns dos artistas que produziram trabalhos que investigam os alimentos. Um banquete todo feito de frutos, sementes e raizes nativos do Brasil, insumos existentes no país antes da chegada dos portugueses, em 1500. Tudo nascido aqui, sem nunca terem saído de outras terras: cupuaçu, jaboticaba, mandioca, umbu, urucum, jambu, cará e mais.

*Texto produzido a partir de fragmentos de:
32 Bienal SP – Restauro, Jorge Menna Barreto

Introdução ao como pensar como uma floresta

Atenção! Percepção requer envolvimento

Imagens: Jorge Menna Barreto

Ação realizada no dia 13 de julho de 2018, em cidade (ESTADO), como parte do Programa CCBB Educativo – Arte & Educação. Com periodicidade mensal, Múltiplo Ancestral é uma plataforma de trocas entre o público, as mestras e mestres ligados a diferentes saberes e práticas culturais, articulando a memória, e o patrimônio. Alia a tradição oral, o afeto e olhares sobre o material e imaterial, fortalecendo a relação do sujeito com a diversidade.