Em uma manhã de sábado, dia 08 de fevereiro de 2020, recebemos para mais um encontro da plataforma Múltiplo Ancestral o grupo musical “Projeto Choro 21”, em sua primeira participação no Programa CCBB Educativo – Arte & Educação. Formado por Marcelo Chiaretti (flauta transversal), Agostinho Paolucci (violão de sete cordas), Lúcia Campos (pandeiro) e Du Macedo (cavaquinho), o grupo contou, naquele dia, com a participação do saxofonista convidado Anderson Costa. Além de interpretar alguns dos famosos chorinhos gravados pela dupla de instrumentistas Pixinguinha e Benedito Lacerda, em 1946, o grupo compartilhou com o público uma prazerosa aula sobre a história da dupla e do choro, entendendo-o como um importante elemento da cultura brasileira.

A parceria entre o saxofone de Pixinguinha e a flauta de Benedito Lacerda consagrou a dupla dentro da história da música instrumental brasileira. Tema da apresentação do grupo Choro 21, a série de 34 gravações realizadas por ambos, ainda na década de 1940, revolucionou e consolidou as bases estilísticas do Choro. A conversa musical entre os dois artistas introduziu no repertório nacional ritmos e um balanços até então inéditos, e o desenvolvimento dos contrapontos no sax tenor por Pixinguinha se tornou um marco na história do Choro e da música popular brasileira.

Segundo definição, o contraponto na música é a interação melódica entre notas não simultâneas. Parece um conceito complexo, mas ao escutar os chorinhos interpretados por Pixinguinha e Benedito Lacerda tudo passa a fazer sentido: o que ocorre é que a flauta e o saxofone não tocam juntos a mesma melodia, mas realizam uma contínua sobreposição de melodias, tocando sempre um sobre o outro, em uma constante conversa entre instrumentos.

Iniciada já no fim da manhã, a apresentação do grupo teve, em seus primeiros momentos, uma participação acanhada do público. Mais adiante, contudo, o som agudo da flauta transversal em sua conversa com o grave rouco do sax tenor não passaram despercebidos aos ouvidos dos frequentadores do CCBB BH, e logo o público começou a se mostrar atraído pela música e o encontro que acontecia ali. Não demorou, então, para que o espaço onde ocorreu a ação estivesse lotado.

Maxixe, Lundu, Valsa e Polca

Para muitos estudiosos, o Choro seria o primeiro gênero de música popular urbana tipicamente brasileiro. Surgido em meados do século XIX, no Rio de Janeiro, o Choro ou Chorinho tem como bases estilísticas a mistura entre o Maxixe, o Lundu e gêneros europeus tradicionais, como a Valsa e a Polca. O Maxixe, também conhecido como “tango brasileiro”, segundo especialistas, foi desenvolvido pelos negros escravizados trazidos de Moçambique para o Brasil. O Lundu, por sua vez, é um estilo africano de canto e dança introduzido no Brasil pelos povos vindos da Angola, também escravizados, segundo nos contam os especialistas.

Não por acaso, enquanto assistia à apresentação, pude notar que a conversa realizada entre a flauta e o sax no Choro possui muita semelhança com a conversa entre os atabaques, observadas nos toques de Candomblé e na música negra, de forma geral. Ao que parece, o suíngue dos tambores da música negra africana foi mesmo transportado para os toques dos instrumentos de sopro e corda, no Choro. Trata-se de uma semelhança capaz de impressionar e emocionar, uma vez que novamente demonstra a dimensão incalculável das contribuições da cultura negra para a conformação da cultura brasileira, não só na música, mas em todas as suas esferas.

Seja a partir da história do choro ou ainda da experiência vivenciada pelo público durante o encontro com o grupo Choro 21, fica evidente que a parceria entre Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, e Benedito Lacerda realmente a história da música brasileira e também o nosso imaginário social: o Choro parece conversar com todos aqueles que o escutam justamente por ser formado a partir da diversidade de estilos musicais que, mesmo com o passar dos tempos, seguem intimamente ligados à formação cultural do Brasil. Aos talentosos musicistas do grupo Choro 21, agradecemos pela aula.