“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: ‘Me ajuda a olhar!'”

Eduardo Galeano, em “O Livro dos Abraços”

Como fruto de pesquisas do Grupo de Trabalho Infâncias, dentro do programa CCBB Educativo – Arte & Educação, realizamos no dia 11 de janeiro de 2020 nosso primeiro encontro com – e para – bebês no Museu no Acervo Brasil do CCBB DF. Composto pelo estudante de Licenciatura Letras-Libras Douglas Ferreira, o estudante de Artes Visuais Junior Fernandes e a pedagoga Geovana Freitas, o grupo tem pesquisado as relações entre bebês, espaços museais e mediação. O que bebês podem fazer dentro de espaços expositivos? O que podemos, como mediadores, fazer a esse respeito? O que pensam as instituições museais e culturais sobre a presença de bebês? A partir dessas e de outras indagações, nos debruçamos na tentativa de encurtar laços entre bebês e espaço museais e culturais, de maneira a reverberar em ações voltadas para bebês dentro de galerias de arte.

Entendemos, aqui, os espaços culturais como espaços de direito, sendo esse resguardado pelo artigo 58 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao estabelecer que “no processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais […] garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura”. Sentimos, portanto, profunda responsabilidade no trato dessa ocupação da primeira infância nos espaços que integram o CCBB DF, buscando superar tradições historicamente distintivas. Ao mesmo tempo, consideramos que a oportunização na presença desses sujeitos nesse espaço demanda preparação, escuta e tentativa. Partiremos, então, da primeira pergunta: se é direito previsto em constituição, porque vemos pouca presença de bebês em galerias?

Algumas leituras nos deram pistas que, mesmo parcialmente, respondem às nossas inquietações. Em “Bebês no Museu de Arte: Processos, Relações e Descobertas”, a educadora Maria Emília Tagliari (2017) investiga a frequência de bebês de 0 a 3 anos em museus e centros culturais de diversas regiões brasileiras. Entre 85 instituições pesquisadas, 31 afirmam ser inexistente a presença de bebês, 20 indicam ser muito baixa e 14, a baixa presença desse público. Podemos relacionar esse resultado à falsa compreensão de que, para experienciar arte, seria necessário esse ou aquele arcabouço teórico de modo que crianças e bebês supostamente não poderiam acessar o que está dentro desse espaço.

Ainda na pesquisa de Maria Emília, há outro importante apontamento relacionado à acessibilidade, segundo o qual proposições voltadas a essa faixa etária demandariam atenção especial com horários, frequência e possibilidade de alimentação. Também devem ser consideradas, segundo ela, especificidades de comunicação e formas de leitura de mundo, que a essa altura da vida se dá sobretudo a partir de contatos táteis. Trata-se, no entanto, de cuidados que muitas vezes vão na contramão do que as instituições podem oferecer.Como resposta a esse contexto, para alcançar as devidas possibilidades de relação entre bebês e museus, deve haver sempre um desdobramento de forças coletivas. É desse modo que, filosoficamente, começamos a ajudar Diego a ver.

Curiosidade, aproximação e devaneio

A mediação para bebês nasce como um convite ao olhar, ao desfrute do espaço e a se aconchegar. A aproximação começa com o reconhecimento, e o reconhecimento, com a desconstrução de elementos que socialmente associamos ao universo dos bebês e das crianças. Nada de tapetes de E.V.A., nem músicas de grande circulação voltadas a públicos infantis. Entre obras de artistas como Tomie Ohtake e Rubem Valentim, criamos um círculo de almofadas perfumadas com capim-limão e instrumentos que nomeamos como “objetos de ver”: lupas, filtros de cor e lanternas. Foram eles que, aqui, fizeram o papel de mediadores.

Embalados por acordes de lira e múltiplos balbucios, exploramos o outro, o espaço e os sons ao redor. Inspirados por palavras da educadora britânica Mary Warnock, nos dedicamos à criação de um espaço no qual as crianças pudessem “olhar e ouvir de maneira que a emoção imaginativa seja consequência” – e que também nós, enquanto educadores e aprendizes da infância, pudéssemos reaprender a ver um espaço que cotidianamente visitamos em companhia da fala – muitas vezes erudita.

Ao longo da atividade, entretanto, pudemos fruir juntos, em uma só energia. Sob a condução dos pequenos, compartilhamos seus olhares através dos filtros de cores, dirigidos para seus pares, aos adultos e ao espaço. Sentados e deitados na galeria, desfrutando do cheiro de capim e de uma temperatura cada vez mais agradável, aos poucos fomos nos acostumando com a presença um do outro, vez ou outra desfrutando de momentos de silêncio, observação profunda e devaneio. Ao fim, já íntimos de nossas vozes e risos, nos despedimos.

A partir dessa experiência, pudemos perceber nossas limitações, assim como novas perspectivas de ação e projetos com bebês dentro de galeria. Viva os bebês! Vida longa às infâncias! Acreditamos, afinal, que a aproximação com a arte e suas diversas linguagens pode mobilizar a imaginação, a sensibilidade e a capacidade de olhar, não só o mar, mas também o outro e o mundo.