Em comemoração ao Dia Internacional da Família e seus 28 anos de existência, o Programa CCBB Educativo – Arte & Educação realizou no dia 15 de maio de 2021 uma conversa pública online dedicada a investigar, partilhar e valorizar as narrativas e memórias íntimas que carregamos cotidianamente, a partir das muitas células familiares que formamos durante a vida.

A ação foi mediada pelos educadores que assinam este relato e, como não poderia deixar de ser, foi em coletivo e a partir de muitas trocas que formamos uma nova família. Tendo como ponto de partida uma célula social formada por nós quatro, decidimos não somente coabitar um espaço, mas também trocar intimidades e trazer ao público questões que muito nos inquietavam: as diferentes formas de ter e criar famílias, paralelamente aos modos como as fotografias têm ligações com o tema, constituindo-se como uma ferramenta para guardar memórias.

Neste relato, convidamos o público a perceber, a partir do diálogo com diferentes educadores, como o “ideal” de família se encontra em constantes transformações, como ele reverbera no nosso passado e presente e como as fotografias nos ajudam a rememorar em palavras cada pequena parcela dessas narrativas. Afinal, compartilhar uma história é um jeito de manter vivos os momentos, pessoas e lugares do nosso ontem e hoje.

Quantas mudas cabem no que entendemos por família?

Durante a atividade, escolhemos como ponto inicial uma abordagem dos conceitos de família a partir de contextos não-convencionais, democráticos, reflexivos e amplos. Para a investigação junto aos participantes, fomos orientados por um questionamento sobre o ideal cultural de família que se faz presente na sociedade, junto a reflexões sobre como os corpos que são retirados ou afastados da “célula tradicional” familiar, seja por questões territoriais, sociais, culturais e econômicas, ou ainda de raça, gênero e sexualidade etc., acabam por criar e reconhecer novos grupos como células familiares possíveis. Afinal, quantas possibilidades para reconhecer e constituir famílias nos são apresentadas no decorrer de nossa jornada na Terra?

A partir das narrativas trazidas pelos educadores envolvidos na ação, foi possível entender como a ideia de família pode ser ressignificada em aspectos religiosos, ancestrais e espirituais. Geancarlos, por exemplo, falou sobre a sua “família de axé”, formada no terreiro de candomblé. Tiago Cruz, por outro lado, trouxe reflexões sobre a ideia de uma família fragmentada e expandida: além da “família de raiz”,que costumamos associar à árvore genealógica, alguns núcleos podem se ramificar com o rompimento dos pais e resultar na construção de outros arranjos, quando ambos incluem novos integrantes em desenhos familiares que ultrapassam concepções mais comuns.

Ao olharmos para nossas trajetórias de vida e em sociedade, é notável a necessidade relacional de nossos corpos. Ao mesmo tempo em que somos seres comunicacionais e prezamos pelas nossas subjetividades, estamos constantemente empenhados em criar grupos afetivos que nos confortem, possibilitem segurança e interação. É assim, muitas vezes, que criamos novas famílias por cada contexto onde trilhamos nossos passos: uma vez que nossos corpos são múltiplos, as ideias de família não poderiam ser diferentes.

Por que guardamos fotos?

Para falar da intimidade e das narrativas individuais, tivemos como ponto de partida algumas imagens de família trazidas pelo público. A fotografia, enquanto objeto, carrega múltiplas histórias, desde o enredo envolto na imagem até a sua materialidade. Olhar para uma foto é um encontro com o passado, com o eu que já não sou mais, mas que é responsável pelo eu que vive hoje. Nesse sentido, o encontro proposto permitiu momentos dedicados a ressignificar o passado a partir do presente – e a cada vez que voltarmos a olhar essas mesmas fotos no futuro, novos significados decerto serão vistos e revistos.

A fotografia passa, então, a ser um objeto relacional, pois se torna parte uma memória coletiva e faz perdurar momentos que a memória não seria capaz de guardar sozinha. Quando falamos de memórias de família, nos apegamos aquilo que conta nossa história, mesmo que não tenhamos vivido aqueles momentos.

Uma das participantes, descendente de japoneses, trouxe uma foto feita pelo seu avô e descreveu da seguinte maneira os sentimentos despertados pela imagem: “Olhar esta cena me remete ao seu lugar naquele momento, como se eu pudesse estar junto, no tempo e no espaço, sobrepondo nossos olhares e sentimentos. A fotografia permite esse retorno, essa sobreposição – e por isso ela é viva”. Ela relatou que a família de seus pais viveu 30 anos na China por conta do contexto de guerra, e essa separação trouxe dor e silêncio para seus familiares. Hoje, ela trabalha com a recuperação de imagens e cartas da época, para resgatar a história de sua família e se tornar guardiã de suas memórias ancestrais.

Pensando em desdobrar a experiência vivida durante o encontro, perguntamos agora a cada leitor e leitora: existe alguma fotografia que é especial para você e que carrega uma história em família? Quais histórias essa fotografia carrega, para além da imagem?

Coleções de afetos

Quando estávamos formulando a atividade, logo percebemos a riqueza imaterial com a qual estaríamos lidando. Por conta disso, uma de nossas preocupações foi que essas narrativas de afeto pudessem ser acessadas e ampliadas posteriormente. Como resultado da atividade, criamos juntos um álbum de família digital que inclui essas imagens, junto às diversas narrativas trazidas durante a conversa pública.

Criamos, desse modo, uma coleção de afetos que pode ser revisitada, como acontece entre os tradicionais álbuns de família.Dentro desse álbum, porém, o que se encontra não são somente imagens de outrora, como geralmente pensamos ao folhear fotos antigas, mas também representações do ontem e de hoje: de corpos que têm voz, memórias, felicidades, medos, angústias e saudades – e que estão em constante processo de transformação.

Como referência para as pessoas que gostariam de compartilhar memórias de fotografias que não estão com elas ou que não existem mais, utilizamos o recurso #pracegover: uma hashtag que permite o compartilhamento de imagens pelas suas descrições, detalhando os elementos mais importantes e os contextos que envolvem cada fotografia, tanto históricos quanto emocionais.

Desde então, nosso álbum se encontra em constante crescimento – e nada impede que você, leitor ou leitora que está conosco até aqui e por ventura tenha sido invadido ou invadida por nostalgias familiares e fotográficas, compartilhe conosco uma de suas narrativas, tornando-se, assim, também parte de nossa família expandida.