“Libras é merda?”: esse é o provocativo título do filme dirigido por Johnnatan Albert, fotógrafo surdo que retrata em sua obra as dificuldades de comunicação enfrentadas por pessoas surdas no cotidiano. O filme foi apresentado durante a Oficina de Fotografia ministrada por Johnnatan dentro da Programa CCBB Educativo – Arte & Educação, em consideração ao Dia Nacional do Surdo e da Luta Pela Inclusão, lembrado no dia 26 de setembro.

Inicialmente, o fotógrafo apresentou ao público algumas questões e momentos históricos muito importantes para a comunidade surda, a exemplo do Congresso de Milão, uma conferência internacional para educadores de surdos. Realizado em 1880, o congresso ficou marcado pela proibição do uso das Línguas de Sinais na educação dos surdos, fazendo com que eles fossem obrigados, muitas vezes por meio de práticas abusivas, a se adaptar às línguas orais. Se, naquele contexto, o congresso se apresentou como silenciador, hoje em dia Johnnatan e outros surdos usam, inclusive ferramentas de audiovisual, entre outras, para atravessar esse silêncio e retomar para si o direito à própria língua e à identidade surda.

Ainda a esse respeito, a oficina contou com uma contextualização sobre o Setembro Azul, mês em que se celebra a visibilidade da comunidade surda, e também sobre a razão pelo qual a cor azul foi selecionada para representar esse mês. Conforme nos explicou Johnnatan, a escolha teve origem durante a Segunda Guerra Mundial, quando, para marcar suposta inferioridade, os integrantes do exército nazista identificavam as pessoas com deficiência usando uma faixa azul amarrada ao braço – e os surdos também eram obrigados a usá-las. Com o fim da guerra e o passar dos anos, a cor passou a simbolizar a opressão enfrentada pelos surdos, mas também o orgulho em relação à sua identidade.

A ressignificação do azul, no entanto, foi oficializada somente na Cerimônia da Fita Azul, em 1999, em que foram homenageados alguns surdos historicamente vitimados pela opressão. Durante essa cerimônia, o autor, ativista e pesquisador Paddy Ladd, usou uma fita azul no braço pela primeira vez como símbolo do movimento. A partir de então, a cor azul turquesa passou a ser usada por ser viva e vibrante, representando a riqueza cultural da comunidade surda. O Dia Nacional do Surdo foi escolhido por ser a data de fundação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), a primeira escola para surdos do Brasil.

Iniciação à fotografia

No segundo momento do encontro, Johnnatan apresentou algumas noções básicas de fotografia, como: câmara escura, ISO, fotometria, tipos de câmeras e lentes, diafragma, obturador, regra dos terços etc. O fotógrafo mostrou um olhar muito atento a todos os detalhes, assim como, bastante aberto a trocas com o público presente. Após a apresentação inicial, ele trouxe ainda algumas dicas valiosas relacionadas à possibilidade de experimentar novos ângulos, oferecendo muitos exemplos a partir de uma didática marcada pela naturalidade.

Mais adiante, o fotógrafo apresentou o seu trabalho com fotografias de família, destacando que esse tipo de fotografia exige quase a invisibilidade do fotógrafo, de modo que os momentos mais espontâneos sejam capturados. Em sua visão, no entanto, essa invisibilidade deve ser extremamente sensível aos momentos em que as relações afetivas se manifestam dentro das famílias, aproveitando de modo propositivo o tempo que o fotógrafo passa junto aos fotografados.

O ponto alto da oficina, contudo, teve início quando Johnnatan nos mostrou o supracitado filme “Libras é merda?”, de sua autoria. Em linhas gerais, o filme traz a perspectiva de uma pessoa ouvinte em um contexto no qual, de repente, ela se vê na condição de não poder falar português. Em vez disso, somente é permitido sinalizar em Libras, mas ela não conhece a língua, então se vê numa posição de impotência, chegando a ser presa por falar português. Assim, Johnnatan proporciona aos ouvintes uma pequena noção de como o desconhecimento da Libras é prejudicial.

Ao inverter as situações geralmente vividas por pessoas surdas, Johnnatan nos leva a refletir sobre as barreiras linguísticas diariamente enfrentadas por muitas pessoas e também sobre como os ouvintes poderiam facilmente quebrá-las se, por exemplo, a lei que oficializa a língua no Brasil fosse seguida corretamente. Ainda existem, decerto, muitas barreiras impostas cotidianamente aos surdos e a pessoas com deficiência. Diante disso, a luta não deve se restringir somente ao mês de setembro: cabe a todas as pessoas se responsabilizarem a favor dessa luta. Decididamente, libras não é merda, mas, sim, um direito de todo brasileiro. Johnnatan encontrou na fotografia um modo de se expressar e afirmar sua identidade. Ao utilizar o cinema para comunicar a sua luta, ele conecta os mundos, fortalecendo-os a partir da resistência.