Em memória ao Dia Internacional da Luta pelos Direitos das Mulheres, recebemos no dia oito de março, no CCBB DF, a psicanalista e pedagoga Neiva Fernandes, certificada como professora internacional de mindfulnesss pelo Mindfulness Meditation Teacher Certification Program (MMTCP). Pensar nesse dia como um marco para os direitos das mulheres se afirma como um posicionamento político e um convite à reflexão sobre a situação atual das experiências femininas cis e trans no Brasil. Por tratarem de populações historicamente associadas, em nossa sociedade, ao cuidado de outras pessoas, um eixo importante dentro das discussões de gênero, quando consideramos as mulheres, está relacionado ao autocuidado. Dentro dessa perspectiva, a técnica mindfulness se apresenta como uma contribuição à saúde mental das mulheres frente à rotina dupla que muitas vezes enfrentamos.

O Dia Internacional da Luta pelos Direitos das Mulheres, popularmente conhecido como Dia da Mulher, foi instituído pelas Nações Unidas em 1975 e atualmente é comemorado em mais de 100 países. Por sua popularidade e pela construção social vigente em nossa cultura, em que o feminino está atrelado ao delicado, à cisgeneridade, ao emotivo e ao sensível, a data é muitas vezes cercada de homenagens que celebram a capacidade feminina de assumir ações multitarefas, dentre as quais maternidade e beleza, deixando escapar questionamentos em torno dos motivos pelos quais mulheres são frequentemente submetidas a essa sobrecarga.

Há de se considerar também a falta de reconhecimento das diversas condições de ser mulher, lembrando que estamos inseridas em diversos contextos, escolhas profissionais, grupos étnicos, orientações sexuais e identificações de gênero, assim como diferentes idades e grupos sociais. Pensar nessas variáveis talvez seja uma importante questão para se pensar o oito de março, identificando lacunas, possibilidades e diversidades de modo a construir ações de enfrentamento à violência e ampliar o acesso a políticas públicas e pessoais de bem viver.

A importância do autocuidado

Ao longo do encontro, Neiva Fernandes trouxe uma reflexão a respeito de construções sociais que historicamente ensinaram as mulheres a serem “super-mulheres” ignorando os males que essa rotina traz ao corpo físico e psicológico. Como possível antídoto a esse quadro, apresentou a técnica mindfulness, que poderia ser traduzido ao português como “atenção plena”. Neiva destaca a importância dessa atenção plena no cotidiano, em meio a um contexto que normaliza, frequentemente com o apoio das tecnologias digitais, estarmos sempre absorvidas e absorvidos por muitas tarefas. Ao nos preocuparmos com as próximas atividades a serem feitas, nos alinhamos à lógica da produtividade, mas a longo prazo isso pode gerar situações de esgotamento mental e ansiedade.

Como estilo de vida, o mindfulness busca um estado psicológico permanente de presença .Trata-se, em linhas gerais, de uma prática de meditação consciente e não religiosa que convida seus praticantes a responderem reflexivamente às situações cotidianas. Uma prática que, de acordo com estudos do Centro Mente Aberta da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), oferece benefícios à qualidade de vida de pessoas diagnosticadas com depressão, ansiedade e cardiopatias, assim como de indivíduos considerados saudáveis.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como completo bem-estar físico, mental e social. Há, nesse sentido, perspectivas não ocidentais que consideram a saúde a partir de uma perspectiva holística, entendendo a importância da mente como fundamental motor para a saúde física e social incluindo a espiritual. Esse é um entendimento cada vez mais aceito na sociedade atual, em que a cada dia ganham espaço técnicas alternativas para além da psicoterapia.

O tempo não precisa correr

A preciosidade desse encontro se deu principalmente pela potência da reflexão sobre nosso cotidiano, muitas vezes atropelado por uma correria que muitas vezes nos impede de trazer consciência e presença. Neiva Fernandes destacou alguns possíveis desdobramentos dessa automatização, dentre os quais a impaciência, a tristeza e, mais uma vez, a ansiedade. A partir de uma dinâmica participativa, foi possível tirar dúvidas, compartilhar experiências e ouvir relatos, em um processo que foi aos poucos nos costurando uns aos outros.

Diferente do que é veiculado popularmente, o estado meditativo proposto por Neiva Fernandes não nos convidou ao silêncio, mas a escutar o barulho, ouvir as movimentações das pessoas que circulavam dentro e fora da sala do programa educativo, percebendo dos pés a cabeça tudo aquilo que nos ocorria. Preocupações, dores, responsabilidades futuras: tudo vem à tona, e o mindfulness nos desloca ao papel de observadores.

A meditação com o público foi um momento especial, criando uma energia única em que mulheres, crianças e homens se sintonizam, juntos, ao momento presente. Durante um período de 20 a 30 minutos, fomos convidados a uma espécie de congelamento, e, assim como acontece nos filmes de ficção científica, percebemos a possibilidade de pausar o tempo e só observar. A partir do mindfulness, pudemos experimentar uma pausa no tempo, fortalecer a própria presença e aceitar que o tempo não pára, mas, por outro lado, não necessariamente precisa correr.