Em 30 de janeiro de 1869, o jornal A Vida Fluminense publicou a primeira edição de As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte, narrativa escrita e desenhada por Angelo Agostini e considerada por muitos pesquisadores a primeira História em Quadrinhos do Brasil. Em 1984, a Associação dos Quadrinistas e Cartunistas do Estado de São Paulo (AQC-ESP) criou o Dia do Quadrinho Nacional, a fim de homenagear o cartunista ítalo-brasileiro. Inspirados por essa data, elaboramos uma atividade presencial para celebrar – e experimentar – junto ao público do CCBB SP a potência pedagógica das histórias em quadrinhos.

As Aventuras de Nhô Quim traziam críticas sociais de forma objetiva, simples e divertida, encantando e surpreendendo a sociedade da época. As narrativas acompanhavam a jornada de Nhô Quim, um homem que se muda do interior de Minas Gerais para a capital do Rio de Janeiro. Escrita durante o período escravocrata, a HQ trazia ao debate público questões raciais do Brasil do século XIX, assim como apontava falhas e contradições do sistema monárquico ainda vigente naquele período.

Além de ter produzido a primeira história em quadrinhos brasileira, o cartunista Angelo Agostini disputa com o estadunidense Richard Outcault o título de precursor das HQ’s no mundo: em 1895, Outcault escreveu The Yellow Kid, narrativa que mostra o cotidiano de uma criança que vivia nos guetos nova iorquinos e se vestia com uma enorme camisola.

A partir do século XX, outros nomes entram para a história mundial das HQs. No contexto internacional, destacam-se Bill Watterson e sua tirinha Calvin e Haroldo, Jim Davis, o criador de Garfield – o gato sarcástico mais amado de todos os tempos –, Charles M. Schulz, com os divertidíssimos personagens Charlie Brown e Snoopy, além do canadense Joe Shuster, que, junto ao ilustrador Jerry Siegel, criou o super herói mais icônico das Histórias em Quadrinhos, o Superman.

No cenário brasileiro, Millôr Fernandes, Ziraldo, Henfil e a cartunista Laerte são destaques com suas produções de cunho político, realizadas principalmente para denunciar o período da ditadura militar brasileira. Além disso, na década de 1960, Ziraldo também produziria o primeiro gibi completamente colorido do país, com a publicação de A Turma do Pererê, enquanto o paulista Maurício de Souza criava os primeiros personagens da história em quadrinhos mais conhecida entre as crianças brasileiras: A Turma da Mônica. Ao lado de outras HQs, tais artistas e obras inspiraram gerações e contribuíram para a formação de leitores em nosso país.

Os desafios da leitura e a potência das imagens

Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) revelam que apenas 1,6% dos estudantes brasileiros do Ensino Médio possuem níveis de aprendizagem considerados adequados em Língua Portuguesa, demonstrando que o processo de letramento é um desafio constante. Para muitos adultos e crianças, aprender a ler e escrever pode ser uma tarefa difícil e traumática, deixando em evidência principalmente as desigualdades de nossa sociedade. Mas como romper com essas preocupantes estatísticas referentes à educação básica?

Quando olhamos para o panorama brasileiro e as dificuldades de leitura e escrita apresentadas por muitos estudantes, principalmente nas escolas públicas, nós, como educadores, precisamos mergulhar cada vez mais fundo em pesquisas sobre metodologias de letramento, sejam elas de vertentes consolidadas ou experimentais, sejam escolarizadas ou não.

As HQs já estão presentes em diversas publicações educativas, sendo o seu uso recomendado inclusive por documentos oficiais que discutem a educação. Trata-se, reconhecidamente, de uma linguagem que pode funcionar como aliada para o desenvolvimento da leitura, uma vez que carrega temas e conteúdos capazes de alcançar e instigar uma multiplicidade de indivíduos, assim como de transitar entre ambientes escolares e sociais. Sua composição imagética, por outro lado, ainda pode contribuir para despertar a criatividade e o gosto por práticas artísticas, respeitando a diversidade que caracteriza as relações entre cada um de nós e o mundo.

Com base nas reflexões aqui levantadas, elaboramos uma atividade presencial com o objetivo de aproximar o público da linguagem encontrada nas histórias em quadrinhos. Após a leitura conjunta de pequenas tirinhas disponibilizadas em tablets, os participantes são convidados a construir suas próprias charges, explorando vários tipos de recursos. Durante a oficina, incentivamos que o público observasse a linguagem textual e o processo de escrita, percebendo a presença de frases curtas, onomatopéias e sátiras. Também estimulamos os participantes a reparar nos elementos da produção gráfica, que podem ir de desenhos realistas à caricaturas. Ao mesmo passo que promove a leitura, a ação incentiva o processo criativo a partir de experiências livres de produção artística.

Por fim, destacamos que, na contemporaneidade,  nos permite alargar seu sentido conceitual, percebendo que não se trata apenas de “juntar letras”, mas sim de uma prática que atravessa outros campos do conhecimento, como a arte, a música, a ciência, as tecnologias etc. Ao considerar as Histórias em Quadrinhos como potenciais ferramentas pedagógicas, damos mais um passo em direção a superação de desigualdades educacionais.