“Ação Sintrópica: Deserto é Nascente” é o nome da ação que ocorreu, em 8 de março de 2020, no CCBB- SP, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. A ação foi realizada por duas convidadas a pesquisadora Amanda Melo de Mota, conhecedora de plantas e curas, que trouxe para a performance uma flor de cor azul escuro, que mais adiante descobrimos ter sido criada a partir de infusões e tingimentos têxteis; e e a artista Juliana Freire, que confeccionou e nos trouxe uma peça de algodão branco chamada “Teia”, com o intuito de integrar o público feminino presente em um corpo coletivo único. A atividade teve início na parte exterior no prédio, próxima à entrada da rua da Quitanda.

A primeira parte da atividade aconteceu em uma grande mesa de madeira, onde estavam diversos jarros com líquido azul. Esse líquido, nos conta Amanda, é um chá de flor com o nome científico de clitoria ternatea, popularmente conhecido como fada azul, cunhão, feijão borboleta e, ervilha azul, entre outras denominações. Segundo ela, a flor é uma Planta Alimentícia Não Convencional (PNAC), e seu nome tem origem no termo latino “clitoria”, que resulta de uma associação entre a flor e o órgão genital feminino.

Comumente utilizada como corante em bolos, sorvetes e pães, a flor exibe um tom de azul intenso bastante peculiar,e a partir da infusão de algumas pétalas é possível produzir um chá de cor semelhante, porém mais densa. Em contraste com sua beleza, o chá de clitoria apresenta um gosto suave, além de propriedades medicinais como ansiolítico, antidepressivo, analgésico e anti-inflamatório. Foi justamente esse chá que servimos, durante a primeira etapa da atividade, para diversas pessoas que passavam na rua, entendendo o gesto como uma forma de conexão entre os participantes da ação. Segundo a pesquisadora, a bebida teria ainda uma atuação sobre o campo energético de cada um, trazendo uma “pacificação de nossas guerras internas”.

Corpo coletivo

Em seguida, teve início um momento em que algumas participantes da atividade foram convidadas a vestir uma grande peça composta por camisetas brancas conectadas entre si. As artistas começaram utilizando uma parte da camiseta, e, com auxílio dos educadores que acompanhavam a ação, outras mulheres foram convidadas a entrar nas demais partes da peça, formando uma grande conexão dos corpos presentes.

Conectado por essa camiseta coletiva, o grupo iniciou uma caminhada no entorno no CCBB SP, ao mesmo tempo em que outros integrantes seguiam servindo o chá de clitória. Durante o percurso, diversas pessoas pararam para interagir, refletir, tirar fotos e tomar aquele chamativo chá azul. Pudemos perceber uma grande fluidez de participantes durante a performance, com sucessivas trocas entre as pessoas que vestiam a camiseta coletiva ao longo da caminhada.

Logo após o trajeto, todos os participantes retornaram à mesa onde, estava sendo servido o chá. Sobre a mesa, além de chá e bolo, tínhamos à nossa disposição argila, substrato e sementes de clitoria ternatea, e a partir de então nos dedicamos à produção de bombas de sementes da mesma planta. Durante a execução desse processo, fomos orientados, inicialmente, a pegar um pouco de argila e, usando um pouco de substrato, fazer uma “cama” para as sementes. Em seguida, cada participante fez uma bolinha com a argila, fechando as sementes e o substrato dentro. Após deixar secar, a bomba estava pronta.

Ressaltando que as bombas de sementes foram historicamente criadas como instrumento de reflorestamento, Amanda nos aconselhou lançá-las em locais de difícil acesso para a disseminação da flor, como é o caso de terrenos baldios, de modo a espalhar pela cidade toda a energia, utilizada durante o processo.

Lygia Pape

Em virtude ao Dia Internacional da Mulher, reservo um espaço neste relato para homenagear uma das mais importantes artistas brasileiras, sobretudo quando se considera o contexto contemporâneo. Trata-se de Lygia Pape (1927-2004), que iniciou sua produção em meados dos anos 1950 e manteve-se em atividade até o final de sua vida. Lygia foi escultora, cineasta, pintora, professora e artista multimídia, integrante do Grupo Frente e do movimento concretista.

A artista realizou trabalhos como: “Balé Neoconcreto I” (1958), no qual o espaço cênico era preenchido por figuras em forma de cilindros e paralelepípedos móveis, com bailarinos em seu interior; Livro da Criação (1959), e o Ovo (1967), trazendo envolvidos em papéis ou plásticos coloridos que deveriam ser rompidos pelas pessoas, visando a sensação de um nascimento. No mesmo contexto de criação dessas obras, Lygia desenvolveu ainda o trabalho O Divisor (1968), utilizado como referência na performance realizada no CCBB SP.

O Divisor 

Em linhas gerais, O Divisor (1968) é composto a partir de um pedaço quadrado de tecido branco, tendo 10, 20 ou 30 metros de largura e fileiras de fendas dispostas paralelamente umas às outras, onde os participantes deveriam colocar suas cabeças. A obra foi criada para acontecer em espaços públicos, entendendo a participação do espectador como um elemento essencial para que o trabalho exista.

A partir dessa obra, Lygia propõe uma problematização da bidimensionalidade na arte e questiona ainda a ocupação dos espaços públicos. Paralelamente à performance apresentada no CCBB SP, um questionamento se mostra possível onde estão os corpos femininos no espaço público?

Uma pesquisa realizada pelo IBGE no ano de 2017 demonstra que apenas 37% dos cargos de chefia nas são ocupados por mulheres. Por que, afinal, seguem sendo tão discrepantes esses números? E o que, nos dias de hoje, pode ser ou tem sido feito? O Dia da Mulher é uma data comemorativa oficializada pela Organização da Nações Unidas (ONU) na década de 1970, simbolizando a luta histórica das mulher por condições equiparadas às dos homens. E essa luta, conforme nos confirma a história, ainda continua.