Nas primeiras décadas do século XX, a cidade de São Paulo ainda se acostumava à ideia de tornar-se a metrópole cosmopolita que hoje conhecemos. Recentemente industrializada e conectada por múltiplas ferrovias a diferentes pontos do estado, a capital paulista recebia, àquela altura, um crescente número de imigrantes japoneses e principalmente europeus, alcançando seu primeiro milhão de habitantes já em 1928. Foi sob influência desse contexto que se deu a inauguração do imponente edifício que, entre 1927 e 1993, funcionou como sede administrativa e agência do Banco do Brasil e, mais tarde, a partir de 2001, passou a abrigar o CCBB-SP.

Para resgatar importantes aspectos dessa história, assim como destacar o próprio patrimônio arquitetônico e ainda celebrar o Dia das Crianças, o centro cultural recebeu, entre 12 e 14 de outubro de 2018, uma atividade desenvolvida integralmente pela equipe do educativo da instituição. Intitulada Corrida Mitológica, a ação convidou o público espontâneo do CCBB-SP a uma expedição por diferentes espaços do prédio, tendo como guias desse trajeto versões personificadas de alguns dos deuses gregos que, silenciosamente, há mais de um século, ornamentam a fachada e o interior do edifício. Nas entrelinhas da atividade, foram propostas reflexões sobre a passagem do tempo e as capacidade de traduzir diferentes épocas a partir da arquitetura.

“A Corrida Mitológica foi nossa primeira experiência com contação de histórias elaborada pelo próprio educativo, na qual criamos desde o roteiro até os figurinos, tendo como objetivo envolver crianças, jovens e adultos, com atenção inclusive ao público surdo que frequenta a instituição”, explica o artista visual Sillas Henrique, que já há um ano integra a equipe de educadores do CCBB-SP e, no decorrer da ação, assumiu responsabilidades relacionadas sobretudo ao figurino e à atuação. Além dele, participaram da Corrida Mitológica os educadores Stephanie Oliveira, Ana Luisa Nunes, Lucas Silveira, Juba Duarte e Fauston Della Flora.

Organizada como uma espécie de gincana, a atividade propunha ao público uma sequência de desafios associados a seis deuses gregos que habitam o prédio: Nike, Hermes, Dionísio, Cronos, Demétria e Hefesto. Ao cumprir os desafios, os visitantes encontrariam a ampulheta de Cronos, permitindo que o tempo voltasse a correr normalmente, de modo que Alvinho, mascote do prédio, pudesse celebrar seu primeiro aniversário. “Durante a busca por esses elementos, cada um dos deuses falava sobre aspectos do patrimônio, a construção do prédio e o próprio centro de São Paulo, assim como propunha reflexões sobre a infância, o processo de crescimento e de ampliação da visão sobre o mundo. No final, os deuses se reuniam e o Alvinho descia do Olimpo, sendo recebido em um tecido esticado no vão central do prédio”, resume Sillas.

Comunidade

Desenvolvida de modo autônomo em relação à programação artística do CCBB-SP, a Corrida Mitológica se alinha a uma série de ações que vêm ampliando a atuação do centro cultural, assim como estimulando a permanência dos visitantes no espaço. “Sem dúvida, um dos nossos maiores desafios é contribuir para que as pessoas que visitam o espaço se sintam pertencentes a ele. Atividades como essa, relacionadas ao próprio patrimônio, acabam gerando um tipo de ocupação do prédio, fazem com que as pessoas fiquem mais um pouco aqui dentro e se sintam parte desse organismo vivo em que várias atividades acontecem ao mesmo tempo”, observa Sillas Henrique.

Além de reconhecer a arquitetura do edifício como um atrativo a ser explorado junto aos frequentadores do CCBB-SP, o educador aponta a importância de levar atividades também à área externa do prédio, situado em uma movimentada esquina do hipercentro de São Paulo. “A partir dessas atividades, entendemos que muitas pessoas passam em frente ao prédio e ainda não o identificam como um centro cultural ou então não se sentem à vontade para entrar. Até mesmo pelo tombamento da fachada, onde ainda se lê ‘Banco do Brasil’, algumas pessoas pensam que se trata de uma agência ou um prédio de acesso restrito. Felizmente, por outro lado, a cada dia vamos conquistando alguns frequentadores que já encaram o prédio como uma espécie de segunda casa”.

No que se refere à experiência da Corrida Mitológica, ele destaca um retorno bastante positivo do público infanto-juvenil em relação à abordagem de referências da mitologia grega. “É muito interessante perceber como a cultura pop e a cultura de massa têm dialogado com esses mitos a partir de filmes e livros, por exemplo. Houve, inclusive, uma visitante que veio especialmente por conta da relação com mitologia grega e acabou dando uma aula pra gente. Ao longo das visitas, entendemos que nem sempre era preciso apresentar os deuses, pois muitas crianças já conheciam os deuses e suas histórias. O desafio, então, era aproximá-los da realidade, assim como da história do prédio e da cidade”.

Ao mesmo tempo em que ofereceu aos visitantes uma perspectiva bastante original sobre o edifício que abriga o centro cultural e também sobre as experiências possíveis dentro de sua programação, a atividade permitiu aos educadores vivenciar outras relações com o público do CCBB-SP e o próprio ofício da arte-educação. “Quando começamos a criar a Corrida Mitológica, apenas um ou dois de nós tinham algum contato anterior com o teatro, e foi muito interessante ver o pessoal se propôr a sair da zona de conforto e atuar diante do público. A partir de ações como essas, passamos a entender e experimentar a mediação de arte e cultura em suas infinitas possibilidades”, reflete.